Quentin Tarantino, Leonardo DiCaprio e Brad Pitt em uma divertida fábula contemporânea
Cotação: ★★★½
Todo conto de fadas começa com a famosa frase “Era uma vez” (“Once upon a time”, em inglês). Também é esperado final feliz destas histórias infantis, com casamentos e libertações de povos coroando o gran finaleposterior a todas as provações vividas durante a jornada do herói. Esperto que é, o diretor e roteirista Quentin Tarantino aproveitou-se desses costumes de narrativa literária (que se estendeu ao cinema no século 20) para batizar Era Uma Vez… em Hollywood, seu novo longa-metragem, o nono da cultuada carreira de quase três décadas na meca do cinema norte-americano. E depois de tanto brincar com os vários gêneros cinematográficos em suas obras anteriores, agora ele resolveu montar um conto de fadas voltando os olhos para a própria sétima arte, a grande paixão de sua vida. Retrata seus bastidores, o dia a dia das filmagens e algumas de suas grandes estrelas, entre bombshellse astros mirins, galãs de seriados de TV e seus dedicados dublês, produtores mercenários e diretores no mundo da lua, todas as celebridades-satélites possíveis (socialites, cantores, cabeleireiros, figurinistas, anfitriões de festas suntuosas em mansões não menos espetaculares). Só que, óbvio, de um modo todo tarantinesco.
Para começar, a trama é ambientada em 1969. O ano da desilusão geral. Os Beatles estavam se separando e gravando seus últimos discos. A utopia de um mundo melhor iniciada temporadas atrás pela contracultura culminava no definhamento do movimento hippie. Em vez de achar os tão exaltados paz e amor, os jovens que ainda insistiam em fugir do sistema encontravam malfadadas guerras, uma economia começando a ficar em frangalhos e a mais completa falta de perspectiva para o que fazer na vida. E o cinema… Ah, o outrora tão poderoso star systemda indústria via-se em sinuca de bico. Os grandes estúdios não conseguiam mais aquelas vultosas bilheterias de décadas anteriores por causa da cada vez mais gigantesca concorrência dos aparelhores televisores instalados no conforto dos lares de famílias, jovens e crianças. Nem mesmo gêneros outrora populares, como o faroeste e os musicais conseguiam arrastar multidões para as salas de projeção.
Hollywood estava em cacos, sem conseguir esconder ou reverter sua decadência quase total. É nesse cenário que se encontra Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), veterano astro de filmes e séries que pena para achar uma recolocação no mercado de atores e precisa se contentar em papeis secundários (muitas vezes o de antagonista do mocinho da história) ou mesmo produções de segunda e terceira categoria. Seu amigo inseparável é o dublê Cliff Booth (Brad Pitt), que também cumpre jornada dupla como seu motorista particular enquanto tenta se livrar da fama de pessoa violenta e encrenqueira nos setsde filmagem. Enquanto o público se delicia com as desventuras de ambos nos bastidores e na privacidade, Tarantino vai deliciando os cinéfilos com uma penca de personagens secundários que de fato habitaram a Los Angeles daquela época. Como o diretor Roman Polanski e a atriz Sharon Tate (brilhantemente interpretada em certos momentos por Margot Robbie), o lutador de artes de artes marciais transformado em astro da interpretação Bruce Lee, o anti-herói Steve McQueen e mais os vários jovens adeptos da mistura de seita e comunidade hippieliderada pelo fanático Charles Manson e que morava de favor em um rancho abandonado afastado do centro, que até anos antes havia servido de cenário para muitas produções do gênero faroeste. Aqui, nesta história, o famoso e ascendente casal hollywoodiano é vizinho de muro de Dalton, em casas situadas no fim de uma discreta e pacata rua sem saída situada ao pé de uma colina. Com um trunfo deste na mão, claro que o cineasta reconstrói dados históricos (datas, locais, nomes) para guiar o espectador rumo à grande tensão no filme: como será retratada nas telas a chacina que, na noite de 8 de agosto de 1969, alguns membros da Família Manson promoveram na Cielo Drive, assassinando com requintes de crueldade e sangue frio Tate (grávida, prestes a dar à luz ao bebê) e mais três amigos que estavam em sua residência. Afinal, filme de Tarantino sem um bom banho de sangue não é um filme de Tarantino.
Claro que Quentin também não abre mão de ingredientes característicos de seus trabalhos em Era Uma Vez… em Hollywood. Neste filme você também encontra um belo desfile de participações especiais (Al Pacino, Lena Dunham, Luke Perry, Kurt Russell, Dakota Fanning, Bruce Dern, Emile Hirsch, Maya Thurman, Margaret Qualley, Timothy Olyphant), discussões sobre teorias e conceitos bem peculiares, muito sarcasmo e ironia a respeito do universo temático da história, a longa duração (são duas horas e 41 minutos sentados na poltrona do cinema), a mão do realizador na escolha da ótima trilha sonora e a indefectível aparição do próprio Tarantino em seu filme.
Era Uma Vez… em Hollywood pode não ser um dos maiores títulos da filmografia tarantinesca, mas também não deixa de ser uma divertida fábula sobre a contemporaneidade. E, o que mais importa, é que, de um jeito ou de outro, tudo acaba bem neste mais novo “era uma vez”.
Era Uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood, EUA, 2019 – Sony Pictures). Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Com Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Al Pacino, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olypahnt, Dakota Fanning, Bruce Dern, Kurt Russell, Luke Perry, Lena Dunham, Maya Hawke. 161 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 15 de agosto de 2019.