Reflexões entre o resto da vida e a iminência da morte
Cotação: ★★★
Todos nós estamos com os dias contados. Mas receber o diagnóstico de uma doença terminal ou acompanhar os últimos dias de um amigo ou parente acamado faz enxergar a vida com outros olhos. Leva a colocar em prática aquilo que procrastinamos, que reprimimos ou por falta de coragem ou por mera preguiça. Quando o tempo é curto demais ainda entram em cena o momento do perdão e de fazer a to do list com os desejos mais infantis e bizarros que só Freud explicaria – como abraçar um elefante e dirigir um carro de Fórmula 1.
Fragilidade e efemeridade da vida, aliás, são temas corriqueiros no cinema americano. E também bastante explorados pelo novo cinema francês, focado em histórias universais sobre superação, amor e amizade – como o inesquecível Os intocáveis (2012) e o emocionante O Escafandro e a Borboleta (2007). É nesta linha que segue O Melhor Está Por Vir. O título em português é traduzido fielmente da expressão francesa Le meilleur reste à venir e da inglesa The best is yet to come, comumente usada para estampar camisetas e que já batizou canções de Frank Sinatra a Scorpions.
O clichê – uma palavra bem francesa, aliás – que reveste o título do filme escrito e dirigido por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte passou longe do primeiro trabalho da dupla para o cinema. Os dois, oriundos do teatro, estrearam com a comédia Qual o Nome do Bebê? (2012), adaptação de uma peça teatral que se passa em um mesmo ambiente como num palco. Pareciam, desta forma, ter desafiado aquilo que o mestre dramaturgo, ator e pensador francês Antonin Artaud dizia (“O teatro é o templo da atriz, do ator e da palavra, enquanto o cinema é templo da imagem e do som”).
Não, o cinema pode ser sim o templo da palavra. Entretanto, verborragia tem limite. Nesta nova empreitada – a história sobre dois amigos diante da doença terminal de um deles – os parceiros tentam repetir a tacada de êxito e sucesso de crítica, mas parecem patinar principalmente por conta do roteiro carregado de falas e por vezes com o pé no acelerador. Os diálogos entre os protagonistas Fabrice Luchin (que interpreta o médico pesquisador divorciado Arthur) e Patrick Bruel (que atuou no filme do nome do bebê como o pai da criança e agora vive o solteirão falido César) são repletos de piadas criativas, lições de moral, citações a Proust, Freud. Mas mereciam uma bela poda, já que prejudicam o andamento da trama, que se torna um tanto maçante devido à velocidade.
A abertura do filme já começa a 100 por hora. Após a introdução, que resume em saudosas imagens como os amigos se conheceram no internato, somos apresentados a César. Ele está na cama com uma garota e tem o romance interrompido por uma espécie de grupo de oficiais de justiça que batem à sua porta. Numa atitude infantil, César corre para a sacada e despenca de lá. O amigo Arthur o leva para o hospital e César usa os documentos do amigo para fazer um raio X. O exame indica que César tem um câncer metastático no pulmão.
Quando o resultado fica pronto, César simplesmente se esquece que fez o exame em nome do amigo e acredita que é Arthur quem está com a doença terminal. O restante do filme é centrado na tentativa de Arthur solucionar esse mal-entendido e contar a verdade ao amigo.
O enredo enfatiza o modo com os dois amigos – homens de meia-idade – têm personalidades tão distintas e se comportam como verdadeiros meninos diante da vida. Há cenas carregadas de humor suscetíveis de arrancar risadas da plateia, como a sequência em que os dois dançam em uma casa noturna ao som do clássico “In Between Days”, do grupo inglês Cure.
Outros momentos do filme, apesar de hilários, trazem revelações um tanto estapafúrdias. Como na viagem que ambos fazem à Índia na tentativa de curar o câncer (em alusão ao ciclista Lance Armstrong). Outro ponto falho é o fato de César só na metade do filme começar a tossir pra valer (poxa vida, ele está com um câncer no pulmão!).
Apenas nos minutos “terminais” da comédia que o espectador descobre, de um jeito piegas, por que o melhor está por vir. E quando sobem os créditos o melhor do filme aparece: a música-tema “Lay It On”, de Jérôme Rebotier, que assina a belíssima trilha original.
Se o longa não é uma obra-prima como O Escafandro e a Borboleta, traz pelo menos uma boa oportunidade para refletirmos sobre nossas ações. Sobretudo o fato de que postergar, às vezes, é deixar de viver.
O Melhor Está Por Vir (Le Meilleur Reste à Venir, França/Bélgica, 2019). Direção e roteiro: Alexandre de la Patellière e Matthieu Delaporte. Com Fabrice Luchini e Patrick Bruel. Paris Filmes. 117 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 5 de março.