Comida mais barata na mesa? O que a Nova Ferroeste tem a ver com as nossas vidas?

Publicado em 13 fev 2023, às 23h38. Atualizado às 23h59.

Já pensou se o leite custasse até 30% mais barato na gôndola? Ou se a carne e as frutas chegassem ao supermercado mais frescas e acessíveis? A possibilidade da mesa do paranaense ficar mais saudável e farta, e a de surgir aquele emprego que faltava na família, existe e depende de uma coisa: trilhos de trem! Pelo menos é o que promete a Nova Ferroeste, um projeto de ampliação da malha ferroviária existente no Paraná.

Mas, o que tem a ver a comida da minha mesa com um trilho de trem? Hoje em dia, o Brasil transporta suas riquezas do jeito mais caro possível: com caminhões nas rodovias. Já as ferrovias brasileiras, que foram muito usadas no século XIX e esquecidas com o tempo, são bem mais baratas. E ao que tudo indica, voltarão a ser usadas no Paraná. Um impulso para a indústria e a economia como há décadas não se via e que deverá refletir no bolso do consumidor.

Afinal, o que é a Nova Ferroeste?

É um projeto do governo estadual que pretende ligar o Porto de Paranaguá à região Oeste do Paraná, e estender até o Mato Grosso do Sul. Haverá ainda ramais que vão ligar algumas cidades ao trecho: Foz do Iguaçu, Chapecó (SC) e Dourados (MS).

Isso vai permitir ao Paraná ser um enorme corredor logístico, escoando não só a produção local, mas transportando riquezas de outros estados e países até o Porto de Paranaguá. E também recebendo insumos importantes de maneira mais rápida e barata. É dinheiro que entra no Estado e permite desenvolver a sociedade como um todo.

Atualmente, a Ferroeste (sim, já existe uma Ferroeste!) possui um trecho que liga Cascavel, no Oeste do Paraná, a Guarapuava, no Centro-Sul, trecho que passará por uma renovação completa. Também existe uma ferrovia que liga Guarapuava a Paranaguá, no Litoral, administrada atualmente pela empresa Rumo Logística. Além de passar por dentro de Curitiba, o que gera muitos acidentes, o trecho que passa pela Serra do Mar é muito antigo, inaugurado por Dom Pedro II, e que possui trechos muito íngremes, que dificultam a subida e a descida de composições muito carregadas.

Uma nova ferrovia vai ser construída entre Guarapuava e Paranaguá, passando por fora de Curitiba (em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba) e por locais de serra que passarão por pequenas correções de traçado, para amenizar as subidas e descidas muito fortes. Todo o projeto, de requalificação do que já existe e de construção de novos trechos, é a chamada Nova Ferroeste.

Veja o que já existe de trilhos e o que deve ser construído na Nova Ferroeste. (Imagem: Divulgação / Nova Ferroeste)

Dinheiro no bolso por quase 100 anos

O ganhador da licitação da Nova Ferroeste – que deverá promover todas estas obras e mantê-la – terá direito de explorá-la por 99 anos. Estima-se que as obras de reforma e construção devem durar até 20 anos, a um custo de R$ 14 bilhões. Mas que, em 17 anos, as obras já estariam pagas. Depois disto, “só” lucro para a concessionária, já que o custo de manutenção de uma ferrovia não se compara ao de uma rodovia.

Não é a toa que diversos países ao redor do mundo, como Japão, França, Itália, Espanha, entre muitos outros, já se interessaram na concessão. Alguns já até vieram conhecer de perto o projeto.

Veja os números da Nova Ferroeste:

  • Hoje: 249 Km de trilhos entre Cascavel e Guarapuava
  • Futuro: 1.304 Km de trilhos entre Maracaju (MS) e Paranaguá (PR) e somando os ramais Até Chapecó (SC) e Foz do Iguaçu (PR)
  • Ferrovia poderá chegar a 1.500 Km
  • O Rio Grande do Sul também pediu interligação com a Nova Ferroeste, mas ainda é um projeto em estudo
  • Ramal em Foz do Iguaçu deverá absorver demanda do Paraguai, Argentina, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, que hoje utilizam rodovias para transporte
  • Nova Ferroeste será o segundo maior corredor logístico de grãos e contêineres do Brasil
  • Ferrovia terá nove terminais (porto seco), onde fará a transição da carga para caminhões (para trajetos menores): Maracaju e Amambaí (MS); Guaíra, Cascavel e Guarapuava, Foz do Iguaçu, Balsa Nova e Paranaguá (PR), além de Chapecó (SC). 
  • Hoje: trem transporta 38 milhões de toneladas por ano, do Oeste até o Porto de Paranaguá
  • Futuro: trem deverá transportar 96 milhões de toneladas
  • Tempo de viagem hoje (Cascavel – Paranaguá): de trem, entre cinco a seis dias
  • Tempo de viagem futura: 20 a 22 horas
  • O que se transporta: minério de ferro e grãos, basicamente
  • O que irá ser transportado: grãos, celulose, líquidos, fertilizantes, contêineres, cargas em geral (tudo!)
  • Impacto social: nove milhões de pessoas beneficiadas, 427 cidades impactadas diretamente (em três países) e 925 cidades impactadas indiretamente

*Fonte: Nova Ferroeste e João Arthur Mohr (Fiep)

Quais as vantagens da ferrovia?

As rodovias custam muito caro para a sociedade. São o modal de transporte mais caro do mundo. A manutenção é cara; deixam mortos e feridos em acidentes, o que gera alto custo para os hospitais; veículos poluem muito; há desmatamento para abrir estradas; o custo disso tudo é embutido no preço que o consumidor paga pelo produto.

João Arthur Mohr é engenheiro mecânico e gerente de assuntos estratégicos da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), além de apaixonado pelo assunto “ferrovias”. Ele elenca quatro vantagens para as ferrovias, que as estradas não permitem:

Econômica

Modal ferroviário é de 20% a 30% mais barato que rodoviário. Quanto maior a distância, mais barato fica, podendo chegar de 40% a 50% (como pode acontecer entre os quase 1.400 Km entre Maracajá, no mato Grosso do Sul, e Paranaguá).

Qualidade de vida ao caminhoneiro

Hoje, o caminhoneiro segue distâncias muito longas, além dos mil quilômetros. Ele passa muitos dias fora de casa, cozinhando no caminhão, dormindo na cabine, tomando banho no posto de combustíveis. Com as ferrovias, os transportes de caminhão não deixam de existir. Mas serão trechos mais curtos, de 200 ou 300 Km. Os caminhoneiros podem dormir mais frequentemente em casa, alimentar-se melhor, estar mais tempo com a família. Hoje em dia, muitas transportadoras buscam motoristas mais jovens, por causa das longas distâncias a serem percorridas, mas encontram escassez de motoristas neste perfil, que chega a andar 700 Km por dia na estrada.

Redução dos acidentes

Tirar caminhões das estradas alivia o fluxo, reduz os congestionamentos e, consequentemente, reduz a possibilidade de acidentes mais graves, com óbitos.

Preservação ambiental

Uma composição ferroviária pode levar o equivalente a 200 caminhões bitrens, ou 400 carretas “normais”. São 397 motores a menos poluindo o meio ambiente, contra três motores de locomotiva.A quantidade de carbono emitida no trem, por tonelada transportada, é cinco vezes menor que utilizando-se caminhões. Os trens hoje de hoje possuem eletromotores (eletrodiesel), ou seja, o diesel é um gerador de energia elétrica, que movimenta a locomotiva, igual geradores de energia em hotéis, hospitais e grandes indústrias.

O ganho ecológico fez até o Reino Unido – berço das locomotivas no mundo e um dos países que mais transporta passageiros e cargas sobre trilhos – a chancelar a Nova Ferroeste como o projeto mais sustentável do mundo.

Conforme Mohr, os ambientalistas sabem que será necessário desmatar vias da Mata Atlântica, na Serra do Mar. Mas eles concordam, por entender que o trem será infinitamente mais benéfico do que manter os caminhões nas rodovias.

Indústria comemora Nova Ferroeste

A indústria paranaense enxerga na Nova Ferroeste uma redução de até 30% no custo logístico de transporte de seus produtos. O gerente de assuntos estratégicos da Fiep, João Arthur Mohr, compara os custos entre rodovias e ferrovias e consegue explicar porquê os trens são muito mais vantajosos.

Transporte de granéis entre Cascavel e Paranaguá:

  • Um caminhão bitrem: transporta 40 toneladas
  • Custo de caminhão: R$ 150 por tonelada transportada
  • Caminhoneiro cobra R$ 6 mil o trajeto Cascavel – Paranaguá – pois possui custo do combustível, seguro, desgaste do pneu, alimentação, prestação do caminhão, pedágios, etc.
  • Um vagão de trem: transporta 80 toneladas (o equivalente a 2 caminhões bitrem)
  • Uma composição tem 100 vagões = 200 caminhões bitrem (ou 400 carretas)
  • Custo de trem: R$ 120 por tonelada transportada (R$ 30 a menos que de caminhão)
  • Um maquinista substitui 200 a 400 motoristas
  • Trem utiliza muito menos combustível, mão de obra, manutenção infinitamente menor que o caminhão
  • De Cascavel a Paranaguá, transportam-se 30 milhões de toneladas (só de granéis sólidos) por ano.
  • Se com o trem economiza-se R$ 30 por tonelada, no fim do ano a economia chega a R$ 900 milhões para as indústrias e o agronegócio

Transporte de Contêineres Cascavel a Paranguá:

  • De caminhão: R$ 3.600
  • De trem: R$ 2.600
  • Economia (entre Cascavel e Paranaguá) = mil reais
  • Quantos container vão e voltam entre Paranaguá e o Oeste: 300 mil por ano
  • Economia (usando o trem): R$ 300 milhões por ano com logística

Como o Brasil transporta suas cargas atualmente?

Antes de dar os números brasileiros, é importante olhar para o país que mais transporta suas cargas sobre trilhos no mundo, os Estados Unidos. Lá está a maior malha ferroviária do mundo, em quilometragem e em toneladas.

Lá, a divisão do transporte de cargas é assim:

  • 40% sobre trilhos
  • 30% são por hidrovias (o modal mais barato do mundo, mais que ferrovias) – principalmente pelo Rio Mississipi
  • 25% por rodovias
  • 5% por aéreo e gasodutos (dutos que transportam óleo, combustível e gás)

Como é hoje no Brasil?

  • 65% por rodovias (e vai de tudo, de granéis sólidos, líquidos, contêineres, carga geral, veículos, etc.)
  • 20% cabotagem (navegação marítima, mas dentro do próprio Brasil – produto que domina este transporte é o petróleo, extraído do pré-sal em alto mar e trazido até a costa)
  • 15% sobre ferrovias (12% só de minério de ferro e 3% de granéis sólidos, como soja e milho)
  • 5% – avião (coisas leves, correspondências dos Correios e cargas urgentes, microcomputadores, peças eletrônicas, remédios, flores, etc.) e oleoduto (principalmente os que são trazidos de navio e seguem do porto de Paranaguá até a refinaria em Araucária, na região metorpolitana de Curitiba, ou do porto de São Francisco (SC) a Araucária.

O Paraná é o quinto estado com mais trilhos. Perde para Minas Gerais, São Paulo, Pará e Maranhão. Com a Nova Ferroeste, será o segundo estado com mais trilhos, perdendo apenas para Minas Gerais. E também poderá superar os Estados Unidos em malha ferroviária, chegando a 60% das cargas sendo transportadas por ferrovias.

Custo Brasil: seis dias para chegar em Paranaguá

O problema é conhecido na indústria (o chamado Custo Brasil): Da “porteira” para dentro, o Brasil é o país mais competitivo do mundo, insuperável. Tem tecnologia, excelentes condições climáticas, tem um ótimo solo para produção de alimentos e diversos insumos, tem vastas áreas produtivas  e a indústria brasileira é muito eficiente no que faz.

O problema está da porteira para fora, como compara o superintendente de logística da Copacol – indústria de proteína animal (frango e tilápia), instalada em Cafelândia, no oeste do Paraná.

“Nossa infraestrutura está muito baseada em rodovia, o contrário de outros países. Fica muito caro transportar por rodovia e isso nos tira a competitividade”,

analisa Itamar.

Hoje, se ele utilizar a ferrovia entre Cascavel e Paranaguá, o trem demora seis dias para chegar ao litoral, o que fica inviável o transporte das carnes de frango e peixe que a indústria produz. Mesmo que sejam levadas em contêineres e que seja feito um reforço de refrigeração no meio do caminho (quando o container é ligado na tomada para gelar de volta), o risco de perder a carga é enorme. O caminhão, via estrada, leva de 20 a 22 horas para fazer o mesmo trajeto. Mas custa muito mais caro, o que reduz a capacidade de exportação do produto (o que é feito via Porto de Paranaguá).

Por isto, Itamar vê com bons olhos a Nova Ferroeste, da forma como o projeto está sendo concebido. De trem, além do custo logístico ficar mais barato, terá o mesmo tempo de transporte (e muito menos risco de acidentes) que o caminhão.

Com a ferrovia, ele tende a receber também mais depressa e mais barato fertilizantes e corretivos, insumos que utiliza na produção da proteína animal.

Outra vantagem que ele vê, e que deverá ser a grande “alegria” das indústrias no Paraná, será a possibilidade de exportar mais, já que os custos logísticos ficarão mais baratos.

Hoje, a Copacol exporta de 700 a 730 mil aves por dia. A expectativa, futura é exportar até 1 milhão de aves por dia. A proteína da Copacol hoje chega para mais de 70 países do mundo, principalmente China, Japão, Emirados Árabes, toda a Europa, México e África. A expectativa é de abraçar mais países, se o custo logístico ficar menor. Um plano de crescimento que quase não tem limites.

Transporte ferroviário x desenvolvimento

“Será um ganho substancial em toda a cadeia produtiva. E que pode levar até alimento mais barato à mesa dos paranaenses, mais renda e emprego para a população e dinheiro para investir em outros setores da economia no paraná”, analisa Luiz Henrique Fagundes, coordenador do Plano Estadual Ferroviário.

Não é à toa que a Europa possui os países mais desenvolvidos do mundo. Estudos mostram que o transporte ferroviário tem relação direta com este desenvolvimento, já que  são países que criam as rotas comerciais mais amplas dentro do seu próprio território. 

Fagundes explica que o projeto da Nova Ferroeste está em fase de vistoria técnica do Ibama. A expectativa é que, entre o fim de 2023 e começo de 2024, o projeto vá para leilão.