Cavalão audaz contra lengalenga covarde
Há três semanas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediu ao presidente Jair Bolsonaro que anunciasse um plano nacional para a volta da produção e da economia, depois do abandono controlado do isolamento social no combate à covid-19. Dirigentes de associações de setores industriais procuraram-no para saber se tinha algo a informar a respeito. Faziam-no sob o impacto do anúncio pelo ministro da Saúde, Nelson Teich, de que o total diário de mortos pelo novo coronavírus poderia ultrapassar o primeiro milheiro. As autoridades nada têm de novo a dizer, pelos motivos de não terem ideia de quando a pandemia chegará ao pico nem do que fazer.
Enquanto o próprio chefe do Poder Executivo é apontado, pela respeitada revista científica britânica The Lancet, como o maior problema que o Brasil enfrenta na tragédia sanitária vivida pela humanidade, ele usa a urgência do combate à doença como aliada na luta política. Ele e os governadores estaduais, especialmente o de São Paulo, João Doria, e do Rio, Wilson Witzel, visam exclusivamente à eleição presidencial de daqui a dois anos e cinco meses e terçam armas midiáticas. Em vez de apresentar a seus interlocutores um projeto concreto, o capitão de milícias ofereceu uma visita surpresa ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, seu único “chapinha” na Corte, para cobrar dele algo que não pode.
A grosseria, o desconhecimento dos próprios limites como chefe de Poder, que obrigatoriamente tem de estar em harmonia com os outros dois, e o vício de transferir a própria irresponsabilidade para alguém próximo são miuçalhas diante do alto risco da metáfora encenada para seus perfis sociais. O capitão absurdamente anistiado por nove militares saudosos do golpe militar extinto, mas nunca enterrado, atravessou a Praça dos Três Poderes literal e simbolicamente na terceira estação da via-crúcis do Estado de Direito nestes tristes trópicos.
A primeira foi o comício golpista à frente do QG do Exército no Dia do Exército, com cartazes pela intervenção militar com ele no poder e pelo Ato-5, para fechar as sedes do Legislativo e do Judiciário. A segunda, o bis encenado na parte de baixo da rampa do Palácio do Planalto. E a terceira é a melhor tradução tupiniquim da Marcha da Insensatez – De Troia ao Vietnã, de Barbara Tuchman.
A reação do anfitrião, Dias Toffoli, foi pífia, como, aliás, a de todos os outros pretensos heróis que defendem a democracia no Legislativo e nas Forças Armadas, que parecem mais coniventes do que conscientes. A Nação morre afogada no seco e, moribunda, assiste ao torneio entre a audácia do Cavalão terrorista e indisciplinado das casernas e a covardia de quem, em vez de enfrentá-lo, usa redes sociais para cuspir retórica inócua.