Especialista aponta motivos para sucesso de celebridades na política
Artistas, esportistas e outras celebridades conquistam cada vez mais espaço no mundo político, especialmente no poder legislativo
O processo eleitoral brasileiro permite que pessoas vindas das mais diversas áreas conquistem os votos dos eleitores e ocupem um espaço anteriormente reservado apenas aos políticos de carreira. Essa particularidade não é um fenômeno recente, mas cresceu em grande proporção nos últimos anos. E, de acordo com o cientista político Leonardo Rocha, uma série de razões justifica a presença cada vez mais comum dos denominados “outsiders” no cenário eleitoral.
“Um dos fatores é a configuração do sistema eleitoral brasileiro, que possui um sistema proporcional de lista aberta para as eleições legislativas, com exceção do Senado. Neste sistema os partidos e federações organizam as listas e apresentam aos eleitores, que escolhem primeiro o partido ou federações, e depois o candidato. É diferente de um sistema de lista fechada onde os partidos apresentam listas previamente ordenadas e o eleitor vota na lista da instituição”, afirma.
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“Por ser possível ao eleitor escolher o candidato e ajudar a ‘ordenar a lista’, temos o favorecimento do fenômeno do personalismo político, ou seja, da centralização das escolhas políticas na figura de indivíduos em detrimento das instituições partidárias. Dessa forma, figuras conhecidas pelo eleitorado são favorecidas nesse processo de escolha”, explica Rocha, que é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Partidos investem em figuras populares para conquistar mais votos
Ao perceberem esse cenário, os partidos passaram a investir cada vez mais em figuras populares, mesmo que elas não tenham nenhum histórico de engajamento político. Assim, celebridades e quase celebridades das mais diversas áreas da sociedade são atraídas para a política a cada eleição. Como nos casos do ex-jogador Romário, atualmente senador; e do palhaço Tiririca, que bateu recorde de votos em São Paulo.
“É interessante aos partidos possuírem figuras conhecidas, ainda que alheias ao campo político, de modo a auxiliar no processo de obtenção de votos nos pleitos eleitorais, podendo promover tanto a eleição do próprio outsider (o qual pode ser mais direta e facilmente influenciado pelas direções partidárias nas ações do mandato, por não possuir familiaridade com o meio político), seja pela ampliação das possibilidades de eleição ao partido e federação, com o outsider funcionando como ‘puxador de votos’, contribuindo, assim, para o alcance de um maior número de cadeiras”, complementa.
Presença de nomes de ‘fora’ da política cresceu nos últimos anos
Apesar de não ser uma particularidade do contexto político atual, o “fenômeno” tem sido ampliado nas eleições recentes, especialmente com a presença de artistas e atletas no processo eleitoral.
“Vale dizer que outsiders como artistas e atletas sempre estiveram presentes nos processos eletivos. No entanto, essa presença obteve significativa ampliação contemporaneamente, sobretudo por dois fatores em minha concepção: a descentralização do processo comunicativo com a emergência da Web 2.0, o qual permitiu que não apenas figuras que transitavam nos meios tradicionais de informação, justamente como artistas e atletas, mas um conjunto de indivíduos que ganha notoriedade por meio das redes sociais, passem a buscar espaço na política, ampliando os potenciais outsiders com real capacidade de captação de votos. O outro ponto é o processo de deterioração da legitimidade das instituições políticas tradicionais e de seus dirigentes”, afirma o especialista.
Políticos tradicionais perderam espaço com o eleitorado
Essa queda de confiança dos eleitores nos chamados “políticos profissionais” abre espaço para que pessoas de fora do sistema passem a ter papel relevante nas eleições.
“As democracias ocidentais passam, há algumas décadas, por uma crise de legitimidade causada por uma série de elementos, tais como as baixas possibilidades de participação efetiva nos espaços de poder, dificuldades nos resultados econômicos, corrupção, entre outros. Crise que afeta diretamente os partidos políticos, principais instituições das democracias representativas, e, consequentemente seus representantes. Isso posto, o crescimento de discursos contrários ao establishment político ganha corpo na população e reflete nas escolhas eleitorais dos cidadãos, de modo a prejudicar a figura do político tradicional, e favorecer aqueles que entram no cenário de disputa política por meio de outras atividades, e absorvem os referidos discursos”, destaca.
Escolha dos eleitores é também uma ação de protesto contra o sistema político
O cientista político lembra que é difícil traçar um perfil comum aos outsiders bem sucedidos nas eleições, mas que algumas características parecem ser comuns à maioria deles. Além disso, é possível apontar um certo grau de ação de protesto contra a política tradicional por parte dos eleitores nestas escolhas.
“A depender do grau de engajamento que um outsider possui em sua atividade, aliado a capacidade de transferência desse engajamento ao campo político, o mesmo pode potencialmente obter votações expressivas no contexto exposto. Nesse viés, por se tratar de uma posição que busca contestar os padrões tradicionais de ação política, o humor aparece como elemento de grande potencial para chamar a atenção e eventualmente absorver votos no pleito eleitoral. Com efeito, ainda que em cenários bastante diferentes, com motivações distintas, a inserção de jocosidade na ação eleitoral busca claramente expressar a insatisfação em relação ao cenário político que se apresenta”, explica o cientista.
Que ressalta não ser possível elaborar uma receita precisa sobre o que um outsider precisa para ser eleito. Entretanto, alguns fatores podem ajudar a esclarecer quais são os perfis desejados pelos eleitores.
“Acredito ser difícil determinar uma receita para o sucesso eleitoral de um outsider, todavia, alguns fatores aparentam ser fundamentais. Ser conhecido por um faixa expressiva do eleitorado na atividade que desenvolve, bem como ser capaz de transformar a notoriedade que adquiriu com tal atividade em capital eleitoral. Nesse ponto as estratégias podem ser bastante distintas, como focar na deslegitimação do cenário político por meio do humor; na construção da imagem de profissional de sucesso; ou na construção da figura que enfrenta o crime e a corrupção, entre outras. Além disso, a exemplo dos demais candidatos, ser capaz de mobilizar recursos humanos e financeiros; ser capaz de mobilizar a estrutura partidária a seu favor; e ser efetivo no uso dos recursos comunicacionais para estabelecer contato com o eleitor são diferenciais positivos”, conclui.
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