Procurador fala dos 10 anos da Lava Jato e "solta o verbo" contra políticos
O procurador da República Carlos Fernando Dos Santos Lima, que atuou na operação Lava Jato, deu uma entrevista ao programa RN Opinião, da Rádio Jovem Pan News Curitiba, nesta sexta-feira (15). O objetivo era fazer um balanço da operação Lava Jato, que está completando 10 anos agora em março.
E Lima não poupou críticas para todos os lados. Falou abertamente sobre as investigações contra todos os partidos, sobre Lula e Bolsonaro, sobre vingança contra Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, entre diversos outros fatos que permearam a Lava Jato. Veja em tópicos tudo o que disse o procurador.
“Política é clientelismo, e população teve visão clara disso“
Lima: “Tenho esperança que a Lava Jato tenha trazido à população brasileira uma visão clara do clientelismo que é a nossa política. Eu chamo de ‘república dos amigos’. Uma mão lava a outra e as duas lavam o resto. E infelizmente, diante das reações que tivemos da classe política, e mesmo no judiciário, porque nos altos escalões ambas são a mesma classe dominante. O resultado não agrada a população, mas hoje a população pelo menos sabe como as coisas funcionam. Mostramos que o Brasil funciona através de relações privadas, não no interesse público. Basicamente para tirar do cidadão, através de um imposto, chamado corrupção, parte do seu dinheiro, para financiar poder dos políticos e eleições caríssimas para mantê-los no poder”, disse Lima.
“O PT e os partidos de esquerda não querem ver as provas“
Lima: “Eu digo que o pior cego é aquele que não quer ver. E o PT e os partidos de esquerda não querem ver as provas. Caso clássico é o presidente Lula. Foi condenado em primeira instância. A segunda instância, de maneira unânime, disse: há provas! Só ver o extenso voto do desembargador Gebran pra ver a quantidade de provas que havia. E se Lula foi condenado, não foi pelo Moro. Foi pela segunda instância, que é a final e que disse que há crime de corrupção e que há certeza da culpa de Lula neste crime Depois, se querem anular provas e o julgamento por suposta suspeição do Dr. Moro, isso é acerto dentro do sistema de poder. Mas as provas ficaram claras e declaradas pelo judiciário em segunda instância que houve crime e o PT e Lula são responsáveis por ele.”
“O sistema judiciário não serve pra resolver a criminalidade política em grau elevado. Vimos isso na operação Mãos Limpas, na Itália. Estamos vendo a dificuldade que existe nos Estados Unidos em relação a Trump, às eleições e à invasão do Congresso. E aqui no Brasil nós vimos isso no caso Collor. Que por um detalhe se diz: ‘Ah não, a denúncia do Dr. Aristides Junqueira é inepta.’ E se repete isso sem saber o que é inepta e sem ter lido a denúncia. Esse sistema funciona num grau maior através das indicações políticas, pelos acertos do ‘vamos deixar por isso mesmo’, deixar no passado, no limbo. O judiciário hoje só serve para pobre, pro representante comercial, pra dona de casa, que é pego no Congresso ou pego na praça dos Três poderes. Eu quero é ver onde estão os processos contra os políticos, os inúmeros, que estavam na jurisdição do Supremo.”
“Ao entrar nesse vale tudo, Toffoli perdeu a sua legitimidade“
Lima: “Não é nenhuma novidade pra mim (anulação do processo da Odebrecht de forma monocrática e sem contraditório). Tudo iniciou no dia do desastre da Chapecoense. Naquela noite, houve a votação das 10 medidas contra a corrupção. E simplesmente foi destruída pelo Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados. Feito isso e vendo ausência de reação a população, passaram a tomar medidas de maneira esparsa, em que foram minando toda a Lava Jato, todo o sistema de combate à corrupção no Brasil para o futuro, dificultando instrumentos investigativos. A ausência de reação popular os tornou mais corajosos. Passaram a fazer o que queriam, do jeito que queriam, com base em documentação falsa. Na decisão do Toffoli, por exemplo, usaram uma certidão do DRCI que fazia uma afirmação falsa. De que os procuradores não teriam feito a procuração jurídica internacional da maneira adequada. Nós fizemos com todo cuidado, a afirmação na certidão era falsa. E Toffoli disse que estava valendo. Ao entrar nesse vale tudo, ele perdeu a sua legitimidade.”
“Houve um padrão claro de intimidação (contra Moro e Dallagnol)“
Lima: “Houve evidentemente um padrão muito claro de intimidação. E de vingança Porque a gente vê o que acontece com o Dr. Deltan Dallagnol, pro Dr. Moro, que foram pra política. Eu não vejo o tratamento que eles dão nos Tribunais Eleitorais serem a mesma coisa que o tratamento que dão para outros políticos. Eu vejo vontade de fazer alguma coisa em relação a eles.
Eu vejo o caso do Dr. Diogo Castor, que administrativamente foi sugerida a demissão por ele ter pago do próprio bolso um cartaz na entrada de Curitiba, um cartaz escrito ‘Terra de Curitiba, terra da Lava Jato’, com a foto dos procuradores. Aquilo seria no máximo advertência. Mas demissão pra corrupto não tem. Mas pra um dos melhores procuradores que eu conheço, que desmontou os pedágios do PR sozinho, eu vejo que houve padrão de intimidação. E ninguém está livre de uma tentativa dessa porque eles têm a máquina na mão.”
“Bretas hoje está em punição administrativa de silêncio obsequioso“
Lima: “Moro e Dallagnol saírem da Lava Jato são duas situações diferentes. O Moro saiu por um convite que, na época, eu me manifestei pessoalmente pra ele. Eu não acreditava nas promessas do novo governo (Bolsonaro), de maneira nenhuma. E não gostava das posições. Achava que não eram compatíveis com o Dr. Moro. Certas posições de direita cultural. O Dr. Moro é uma pessoa sensata, e que tem um trabalho anticorrupção. Mas agora o trabalho no (Ministério da) Justiça envolve questões culturais e coisas difícies como aborto, drogas, coisas que talvez ele não concordasse com a pauta do governo. Então falei que eu não achava adequada a saída dele. Mas não digo que ele errou. Porque, veja onde está o (juiz federal Marcelo) Bretas hoje. Está administrativa em silêncio obsequioso, porque foi punido efetivamente. Se ele (Moro) ficasse lá, a vingança também seria administrativa, facilmente. Poderia não ser nem mais juiz hoje.”
“Se fizeram isso com o Diogo Castor por causa de um cartaz, isso (punição contra Dallagnol) estava se encaminhando. O Deltan saiu naquele momento que não havia nenhum processo correndo válido contra ele. Ele saiu para evitar aquilo que me parecia inevitável, que é a vingança do sistema. Porque não tinha nenhum procedimento, mas poderia haver. A lei é clara, não poderia se aposentar aquele que tem procedimento administrativo. Isso só mostra porque o trabalho lhes foi incumbido. Acho que a sua saída foi correta, porque Deltan é um ativista. Enquanto eu sou um procurador por natureza, ficaria na Lava Jato trabalhando, ele foi paras as 10 medidas contra a corrupção, movimentou a sociedade, fez uma tarefa que também é do Ministério Público. Ele foi ativista no sentido das medidas contra a corrupção. Enquanto procuradores (temos mais de 50 na Lava Jato, temos centenas de policiais, auditores da Receita, servidores federais), não há posição política nesse aspecto. Deltan, por ser evangélico, tem uma crença bem diferente da minha, que é bem liberal. Lava Jato tem até simpatizantes do PT. Entretanto a decisão era tomada com base em fatos. E se o fato existe, depois de discutido e chegado a uma conclusão, a equipe da Lava jato não vai fazer dos seus rumores políticos pessoais motivo pra desdizer alguma coisa. Não houve nenhum ativismo político do Deltan. Houve ativismo contra a corrupção.”
“Bolsonaro era um ninguém no Congresso Nacional“
Lima: “Eu não sei qual seria o projeto de poder (que falavam que existia na Lava Jato), quem seria o projeto de poder. Porque ele (o ministro Gilmar Mendes, que falava desse suposto projeto de poder), parece vincular, com muita gente vincula, a Lava Jato ao Governo Bolsonaro. Quando a Lava Jato surgiu em 2013, Bolsonaro era um ninguém no Congresso Nacional. Não existe nenhum projeto pró-direita ou pró-Bolsonaro na Lava Jato. O fato de ter investigado o Partido dos Trabalhadores (PT) é porque o PT era o dono da diretoria da Petrobrás. Era quem indicava. Era na verdade indicado pelo Partido Progressistas (PP) e endossado pelo PT. Mas depois fomos para uma diretoria (da Petrobrás) que era PMDB. E depois chegamos ao PSDB de São Paulo, com o anel viário, ou com as obras da Copa, as obras das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Pegamos fatos envolvendo todos os grandes partidos. E os partidos funcionam assim: se eu não tenho cargo no governo federal pra desviar recursos, desvio dos meus governos estaduais e municipais. É isso que foi caindo. Porque a Lava Jato minava o operador financeiro. Ele é um banco. Pro operador, não interessa qual é a cor do cliente, se ele pagar a comissão. Foram caindo quase todos os partidos que têm poder na República”
“Não houve nenhuma perseguição ao PT“
Lima: Não houve nenhuma perseguição ao PT. Muito pelo contrário. Diante da quantidade de partidos que foram envolvidos na operação, hoje nós temos a dizer que perseguimos a corrupção, que é um método de fazer dinheiro na política brasileira. Porque não criminalizamos a política. A política que usou de crime para se financiar. Esse crime de financiamento que fomos atrás. Essa gana por dinheiro público se transforma em dinheiro secreto, em tentativas de legalização da corrupção pós Lava Jato. Porque ela deu valor em dar um encolhimento significativo no setor privado de contribuir. Agora eles se apropriaram de outros sistemas (de desvio de dinheiro) como orçamento secreto, orçamento impositivo. E toda essa pressão que há por cargos em estatais.”
“Veja a Petrobrás voltando ao noticiário depois de implantar compliance muito bem feito. A destruição do seu compliance e voltando à manchetes de jornais. Porque alguém retém dividendos? Porque os dividendos são dos acionistas. E se for pra União, vai pro cofre público e não tem jeito de desviar. E se retém lá dentro (da Petrobrás) é oportunidade de obras e investimentos, e oportunidade que se abra o mesmo caminho (de corrupção).
“Eu gostaria que a Gleisi aprendesse sobre lei brasileira”
Lima: “Sobre uma fala de Gleisi Hoffmann, do judiciário brasileiro quebrar as empresas brasileiras, diferente do judiciário americano, que preserva as empresas. Lima: “Eu gostaria que a Gleisi aprendesse um pouco sobre a lei brasileira. Primeiro porque a brasileira não é a mesma que a lei americana. Porque se quisessem usar a lei americana, estariam de cabelo em pé pelo que os procuradores americanos podem fazer, porque os brasileiros têm uma limitação muito grande. E o fato é que a lei nossa manda punir as empresas. Manda: paguem, recolham o que fizeram de errado e paguem uma multa. Eu como procurador, não posso passar a mão na sua cabeça e dizer não pague. A função do procurador é dizer: você fez errado, pague. Você e seus dirigentes que participaram das decisões, paguem igualmente. O que fizemos foi simplesmente aplicar a legislação brasileira. Agora passar a mão na cabeça da empresa que usou método de negócio para tirar dinheiro do público durante décadas, com esse argumento, e deixar de recolher dinheiro público, é cuspir na duas vezes cara do contribuinte brasileiro: cuspir no momento que roubou e no momento que perdoou.”
Vaza Jato: “Nós somos a vítima do crime”
Lima: “São duas ou três questões diferentes. Primeiro: houve ataque à conta do Deltan e de diversas autoridades. O que resultou desse ataque é que um ministro do Sérgio Moro, através da polícia Federal, conseguiu levantar o autor desses fatos e conseguiu juntar as provas em forma de arquivos TXT, de supostas mensagens. O arquivo TXT não tem foto da tela, nem voz da pessoa. Você tem um arquivo TXT dizendo que foi isso que foi falado na mensagem. Algo que pode ser editável. A PF não pode dizer o que é verdadeiro ou não. Pode ser que algo seja verdadeiro, mas que pode ter ocorrido edição. Eu não acredito que haja nada de relevante ali dentro (das mensagens da Vaza Jato). Tanto que nada derivou em termos administrativos e punitivos. O que foi feito foi o uso ao seu bel prazer. Jornal escolhe trecho, usa o que quer, coloca na ordem que deseja e faz a sua versão dos fatos. Agora querer que eu diga se há certo ou errado é canalha. Nós somos a vítima do crime. E não há nada ali dentro, nem mesmo nas conversas do Moro com Deltan, que sejam ilícitas ou irregulares. Todos os juízes e procuradores conversam. Mas não há nada nessas conversas que possibilite o menor uso contra a operação.”
Lula x Bolsonaro: “Povo escolheu entre o diabo e o coisa ruim“
Lima: “Obviamente votei nulo na eleição. Porque eu não sou obrigado, como diria o velho Leonel Brizola, entre o diabo e a coisa ruim, o inferno vence sempre. Pra mim o Bolsonaro é o coveiro da operação. Se os outros estavam atirando, Bolsonaro tava cavando a cova da operação. Porque em nenhum momento vi ele apoiar a operação. Ele é um surfista. Ele pegou a onda, aproveitou-se, mostrou lá pro público que tava em cima da onda. Mas na verdade não tem nenhuma vinculação com a Lava jato.O que eu digo em relação à questão é que nós não tivemos, em nenhum momento, nenhum tipo de vinculação com interesse político com relação a Lula e Bolsonaro. Acredito até que o governo Lula é mais eficiente que em alguns aspectos do governo Bolsonaro, que pelo menos não é negacionista em relação a vacina e coisas tais. Porque o fato das vacinas é tão grave quanto as invasões do Congresso Nacional. Foi um ato criminoso que aconteceu no Brasil em relação às vacinas. Então eu acredito que é mais eficiente, mas nem por isso vou votar nele. Agora vê-lo na presidência, é ver como o sistema funciona. Que no final das contas, o povo teve que escolher entre o diabo e o coisa ruim”.
Veja a entrevista do procurador Santos Lima sobre os 10 anos da Lava Jato:
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