Veja como Bolsonaro e Lula podem influenciar nas eleições municipais
Apesar de não ser um fator decisivo, a participação dos protagonistas da polarização política nacional pode influenciar nas eleições municipais deste ano
A polarização política entre os campos da direita e da esquerda que domina o cenário nacional será replicada nas eleições municipais de 2024? Essa pergunta aparentemente simples permite uma série de respostas, muitas vezes divergentes. Mas, conforme a opinião de cientistas políticos que estudam profundamente o tema, o mais provável é que as lideranças locais tenham maior influência sobre a escolha dos eleitores do que nomes nacionais, como Jair Bolsonaro ou Lula.
Se nas eleições gerais, quando os eleitores escolhem o presidente, os governadores, os senadores e os deputados federais, estaduais e distritais, a influência dos principais líderes políticos brasileiros é facilmente percebida, na esfera municipal isso não ocorre da mesma forma.
É o que aponta o professor Lucas Massimo Tonial Antunes de Souza, Coordenador de Ciência Política do curso de Gestão de Partidos Políticos do Centro Universitário Internacional Uninter.
Pós-Doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Souza afirma que, ao contrário do que ocorre as eleições gerais, “a competição política em nível municipal aborda pautas que possuem efeitos diretos e imediatos sobre a vida dos eleitores. Creches escolares, transporte coletivo, iluminação e pavimentação de vias públicas, equipamentos urbanos (como parques, praças, ginásios, etc.) são pontos que não se sujeitam à avaliação emocional que compõe o que recentemente passou a se denominar a “calcificação” da polarização. A esse respeito, convém salientar, a palavra polarização vem sendo utilizada de maneira equivocada, por denominar como um suposto desvio o que é traço normal de qualquer eleição realmente competitiva. O fenômeno descrito como calcificação, por outro lado, descreve o extravasamento da polarização, que sai da arena eleitoral e vai para outros planos, como as relações de consumo, as relações familiares, etc.”
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Além disso, o cientista político destaca que “o tensionamento entre posições ideológicas, que pode chegar ao ponto da violência aberta em um município, pode passar de maneira desapercebida em outra localidade situada a pouco quilômetros dele. A proximidade entre eleitores e candidatos em eleições municipais impõe cuidados ao trazer para o plano local as questões que pautam a política nacional, e não podemos nos confortar com respostas simples, como a suposta polarização (ou mesmo a sua versão sofisticada, como a calcificação), para diferentes contextos, de maneira indiscriminada”, afirma.
“Saliento que o TSE divulgou as estatísticas do eleitorado brasileiro, e uma das principais conclusões que se impõe é a capilaridade da estrutura política municipal. Três quartos dos municípios brasileiros possuem até 20 mil eleitores, metade possui até 10 mil eleitores, e um quarto dos 5.569 municípios possui até 5 mil eleitores. Esses números foram compilados pelo professor Emerson Cervi, da UFPR, e eles exprimem uma conclusão disseminada tanto entre especialistas como entre lideranças locais, a saber, a especificidades de cada município impõe muitos cuidados ao trazer para o plano local as explicações usualmente empregadas na política nacional”, complementa.
Disputa entre Bolsonaro e Lula não se replica automaticamente nas eleições municipais
Além das particularidades oriundas da maior proximidade entre eleitores e candidatos na esfera municipal, o histórico político de cada região também tem mais impacto na hora da definição do voto do que o protagonismo de figuras nacionais. É o que afirma o professor Rodrigo Rossi Horochovski, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-doutorando em Ciência Política pela USP, o cientista político acredita que a transferência de votos do cenário nacional para o âmbito municipal é possível, mas que existem ressalvas que devem ser consideradas.
“Em primeiro lugar, mais do que entre direita e esquerda, me parece que a divisão entre petismo e o antipetismo. E essa divisão existe desde o final lá dos anos 80, desde a primeira eleição direta depois da abertura, com Collor e Lula. E apenas se fortaleceu ao longo dos anos, com esse antipetismo indo cada vez mais à direita conforme o Lula e o PT iam mais para o centro. Deve-se lembra que em determinado momento quem ocupava esse polo antipetista era o PSDB, que em sua origem era um partido social-democrata de centro-esquerda. Então, esse debate sempre esteve presente em maior ou menor grau, inclusive nas eleições municipais”, explica o professor, que aponta que esse fenômeno perde força fora das eleições gerais.
“Até há poucos anos as eleições municipais eram um preditor, já que elas antecipavam as tendências das eleições gerais posteriores, inclusive as eleições presidenciais, como aconteceu em 2000, por exemplo. Naquele ano o PT foi a grande força nas capitais e demais grandes cidades do país, inclusive aqui no Paraná, onde foi para o segundo turno em quatro cidades e ganhou em três. E depois o Lula teve a sua mais esmagadora vitória em 2002, inclusive em Curitiba, onde teve mais ou menos dois terços dos votos”, aponta.
“Agora, até em função da polarização, a nacionalização das disputas municipais perdeu um pouco a força. E se olharmos os resultados de 2020, na última eleição municipal, vemos ali que nem o PT, nem o bolsonarismo foram muito bem sucedidos. Enquanto políticos tradicionais, muitos por partidos fisiológicos, tiveram sucesso. Agora em 2024, nós vamos ver se essa tendência se confirma. Eu acredito que sim, porque tanto o PT quanto o PL, que são as expressões partidárias dessa polarização, não serão os grandes players dessa eleição”, complementa.
Efeitos da polarização política devem ser percebidos de alguma forma nas eleições municipais, mas não serão os mais decisivos
Apesar de destacarem que as eleições municipais têm características próprias e bem diferentes das eleições gerais, os cientistas políticos afirmam que lideranças políticas consolidadas, como Lula e Bolsonaro, têm força para influenciar a escolha dos eleitores. Entretanto, o apoio de um deles não é garantia absoluta para a eleição de qualquer candidato.
“Falando sobre o Paraná, sem dúvida, tanto Bolsonaro quanto Lula serão cabos eleitorais importantes. Inclusive porque, apesar da grande vantagem do Bolsonaro nas últimas eleições em 2022, é importante ressaltar que o Lula aumentou em 50% a votação do PT em Curitiba, por exemplo, comparado com 2018, quando o candidato foi o Haddad. Além disso tem uma coisa que pesa muito né, que é a avaliação do eleitorado em relação ao desempenho dos governos, por exemplo do Governo Federal. Isso tem um peso e vai além da questão da mera a questão do uso da máquina. A máquina não faz milagre, porém o apoio de um ou de outro não é o único fator determinante”, pondera Horochovski.
Que aponta ainda que “existem as questões locais, as próprias alianças, o papel do governador e dos próprios prefeitos que, ou estão tentando reeleição, ou vão apoiar um novo candidato, como é o caso de Curitiba. São variáveis extremamente importantes nessa equação também”. Para o cientista, o apoio do governador Ratinho Júnior ou do prefeito Rafael Greca, por exemplo, pode ter uma influência maior do que o vindo de Bolsonaro ou Lula.
O professor Lucas Massimo de Souza afirma que as lideranças nacionais influenciam a decisão dos eleitores, mas que é difícil dimensionar esse efeito. “A transferência de preferências eleitorais é um fenômeno normal em democracias com diferentes níveis de governo, mas ele não é esperado para o ano de 2024, pois seu efeito depende do sentido em que o fenômeno é considerado. Nas eleições para deputados, governadores, senadores e presidente, a transferência de preferências acontece de maneira muito clara, pois os prefeitos e os vereadores são os principais cabos eleitorais nos seus municípios para os candidatos de cargos estaduais ou nacionais. Já a transferência em sentido inverso, do plano nacional para o plano municipal depende de muitos fatores. O primeiro deles é a intenção dos atores: há que haver a disposição de líderes nacionais em se envolver com a disputa local, em alterar suas agendas, em priorizar um município (e deixar outros de lado)”, explica.
“Então, para que um pleito municipal possa ser afetado por tendências ideológicas do plano nacional é necessário que atores políticos empenhem recursos nessa operação. Esses cálculos impõem custos aos atores, pois exigem a renovação de acordos e a cobrança de antigos compromissos. Por essas razões, é mais comum esperar que o alvo dessas ações sejam os grandes eleitorados, que não passam de uma pequena porção. Se olharmos para as grande metrópoles, contamos somente 11 municípios com mais de um milhão de eleitores nas eleições desse ano”, afirma.
Diante desse cenário, Souza afirma que “não se pode dimensionar corretamente o peso que Lula ou Bolsonaro terão sobre a eleição em todos os municípios paranaenses, porque essa configuração deve variar conforme a região em que se situa o município. Há regiões em que as emendas parlamentares de deputados petistas podem valorizar o apoio de Lula, ao passo que onde o candidato Bolsonaro fez mais votos em 2022 é esperado que os candidatos situados à direita procurem se vincular ao ex-presidente. São critérios diferentes para formar identidades políticas diferentes”, conclui.
Em resumo, na opinião dos cientistas políticos, o apoio dos líderes da direita e da esquerda não é, por si só, o fator decisivo para a eleição de um candidato. No entanto, ele não pode ser descartado como um dos muitos pontos que podem colaborar para uma campanha bem sucedida.
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