Há um ano, uma queda de avião da VoePass matou 62 pessoas em Vinhedo (SP). Entre elas, Liz Ibba Santos, de 3 anos, que viajava para passar o Dia dos Pais com o pai. A mãe, Adriana Ibba, viu o nome da filha em uma lista de vítimas enviada por uma amiga — e desde então não parou. “Minha filha foi embarcada num avião que nunca deveria ter voado.” Hoje, ela lidera a luta por justiça de dezenas de famílias.

Liz Ibba é uma das 62 pessoas que morreram na queda de avião em Vinhedo
Adriana relembrou os últimos momentos que passou com a filha (Foto: arquivo pessoal)

Com a serenidade de quem aprendeu a transformar a dor em luta, Adriana Ibba encara o vazio deixado pela filha e a responsabilidade de seguir adiante por ela. Um ano após o acidente que matou 62 pessoas, ela relembra o instante em que sua vida mudou para sempre.

“Eu estava chegando para trabalhar, né? Sou jornalista e recebi um link, avião que saiu de Cascavel, no interior do Paraná, caiu no interior de São Paulo. Só que eu só recebi o link, sem a mensagem. Porque foi um colega de trabalho que pensou, para mim não dá pauta, mas para a Adri lá na TV pode dar pauta, e ele só encaminhou, e eu estava chegando para trabalhar, estava descendo do carro e quando eu vi aquele link eu fiquei desesperada, porque eu levei a Liz de manhã no aeroporto, né, então eu nem sei, eu falo assim, eu nem sei como que consegui chegar até a redação”, relembra.

A jornalista disse também que foi uma das primeiras pessoas a chegar ao Aeroporto de Cascavel (PR), em busca de informações oficiais, já que havia deixado a filha há poucos minutos para embarcar em direção a São Paulo. 

“Eu queria a informação oficial, né, a minha filha, o voo dela era a Latam, aí as pessoas falavam, não é o avião da Latam, não é o avião da Latam, eu falei, cara, eu vou para o aeroporto, vou aos guichês lá, vou ao guichê da Latam e quero ver o que é isso aqui.  Automaticamente, poucos minutos depois, outros familiares também começaram a chegar, então houve um QG ali, digamos assim, houve um apoio daí sendo montado, né? E nós gostaríamos de informações da empresa. A empresa, lamentavelmente, despreparada como sempre, colocou uma colaboradora lá que não sabia de nada, coitada da moça, e nós, todo mundo, à flor da pele, na adrenalina a mil, e nós queríamos a lista”, contou. 

Desespero e lista com nome da filha enviado por uma amiga 

A confirmação de que Liz estava no voo veio de forma inesperada — por uma mensagem de uma amiga da imprensa. Adriana contou que a partir dali, quando viu o nome da filha e do pai dela, o pesadelo começou. 

“Quando eu abri a lista, o meu nome foi em cima do nome da minha filha. Ele estava escrito errado, ele estava escrito Liz Iba junto do Santos ali, mas o meu olho foi em cima ao nomezinho da Liz. E aí automaticamente eu fui para baixo, vi o nome do Rafael, e eu comecei a ver nomes de pessoas que eu conhecia”, contou.

Além da filha e do pai, a jornalista também conhecia alguns dos passageiros que morreram nesse acidente. “Um colega meu que estava do lado começou a ler a lista, já que já tinha um grupo de famílias ali. Foi um choque sem fim”, revelou. 

Liz enviou áudio para a mãe antes de embarcar no voo da VoePass
Liz aparece sorrindo sentada em uma poltrona de avião (Foto: arquivo pessoal)

Últimos momentos e áudio enviado pela filha do avião 

Emocionada, a jornalista lembra de cada detalhe dos últimos momentos que passou com a filha em vida. Ibba revelou também que recebeu uma mensagem por áudio da filha minutos antes da aeronave decolar com destino a São Paulo. 

“Vixe, eu lembro de cada segundo. Eu levei a minha filha no avião, antes dela decolar, a gente se falou por mensagem, ela me mandou um áudio dizendo: ‘mamãe, estou no avião’. Eu enquanto consumidora, enquanto mãe, levei minha filha acreditando que ela faria uso do meio de transporte mais seguro do mundo. A empresa foi muito desorganizada. Quando era 21h, meu telefone tocou dizendo que minha filha estava naquele avião. 21 horas”. relembrou. 

A mãe guarda o áudio até hoje. Além disso, Ibba afirmou que ainda escuta a voz da filha e que foi muito difícil voltar para casa e não ver a pequena Liz. A jornalista guarda até o pijama usado pela menina na última noite de vida. 

“Tem dias que vou lá e escuto a voz dela. As primeiras vezes que comecei a viajar atrás das coisas do acidente, cada vez que voltava era um choque de realidade. Eu guardo tudo, mantenho o quarto dela. Quando estou agoniada, vou lá no quarto e cheiro o último pijaminha usado por ela, com o cheirinho do xixi. A gente era muito companheira, né? Muito mãe e filha mesmo. Tanto que ela falava muito eu te amo. Ela era de verbalizar para quem ela amava. E ela falava muito assim, mamãe, melhores amigas para sempre, né? Então eu perdi uma melhor amiga. Uma companheira de tudo. Desde ir na feirinha, na frente da prefeitura e na Câmara. Até de ir no salão. Então eu perdi, de fato, a minha melhor amiga”, falou emocionada.

Ibba revelou também que faz as contas do quanto a filha estaria desenvolvida, caso estivesse viva. “Nossa, qual salto de desenvolvimento que ela teria dado? Será que ela estaria aprendendo a escrever o nome? E assim vai”, concluiu.

Busca por justiça 

A jornalista Adriana Ibba comanda a associação das famílias das 62 pessoas que morreram nesse acidente com o avião da VoePass, em Vinhedo. Ela afirma que vai continuar a busca por justiça, não só pela filha, mas por todas as pessoas que perderam a vida nesta tragédia. 

“E eu vou até o fim, porque é pela minha filha e por mais 61 pessoas que estavam com a Liz. A Liz não estava sozinha naquele avião. Então eu vou até o fim. Para entender, para ter resposta, para culpar quem tiver que culpar”, relatou.

Veja vídeo da entrevista de Adriana Ibba na íntegra:

Queda de avião em Vinhedo mata 62 pessoas 

O avião de médio porte da companhia Voepass caiu no bairro Capela, em Vinhedo, em 9 de agosto do ano passado. A aeronave que saiu de Cascavel tinha como destino Guarulhos, em São Paulo. 58 passageiros e 4 tripulantes morreram na queda.

De acordo com a companhia aérea, o avião turboélice modelo ATR 72-500, que fazia o voo 2283, decolou às 11h58. O voo estava programado para pousar no Aeroporto Internacional de Guarulhos às 13h50, mas caiu minutos antes de chegar ao seu destino.

Avião com 62 pessoas caiu em Vinhedo, em agosto de 2024
62 pessoas morreram no acidente, entre tripulantes e passageiros. (Foto: Reprodução Redes/Sociais)

O que se sabe sobre a queda de avião em Vinhedo?

A Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), divulgou novas informações sobre o andamento da investigação do acidente com a aeronave de matrícula PS-VPB, ocorrido no dia 9 de agosto de 2024, em Vinhedo. A tragédia deixou 62 mortos — entre passageiros e tripulantes — e comoveu o país.

Segundo o relatório, a aeronave decolou do Aeroporto de Cascavel às 11h58, com destino ao Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). Durante o voo, foram registrados diversos alertas de desempenho e de gelo. O sistema de detecção de gelo foi ativado por volta das 12h14, a 13 mil pés de altitude, e permaneceu ligado até o final do trajeto. Já o sistema de degelo foi acionado e desativado diversas vezes, comportamento que chama a atenção dos investigadores.

Queda de avião em Vinhedo completa 1 ano
Avião que caiu em Vinhedo entrou em chamas após a queda (Foto: divulgação / FAB)

A aeronave também apresentou alertas de baixa velocidade de cruzeiro (“Cruise Speed Low”), desempenho degradado (“Degraded Performance”) e, durante uma curva, foi emitido o alerta “Increase Speed” (aumente a velocidade), acompanhado de ruídos de vibração.

Às 13h21, o avião entrou em estol (perda de sustentação) e perdeu o controle, entrando em uma atitude de voo anormal, com giros em “parafuso chato”, até colidir com o solo.

Entre os achados preliminares, o CENIPA aponta que havia previsão de gelo severo na rota e que as condições meteorológicas estavam disponíveis aos pilotos. A perda de controle ocorreu em um ambiente propício à formação de gelo, sem que houvesse qualquer declaração de emergência por parte da tripulação.

A investigação já concluiu a fase de coleta de dados e agora está na etapa de análise. De acordo com o CENIPA, o caso é complexo e está sendo conduzido por uma equipe multidisciplinar composta por especialistas em fatores operacionais, humanos e materiais, além de engenheiros, psicólogos, médicos e outros profissionais.

O órgão ressalta que todas as informações divulgadas até o momento são factuais e refletem o status atual da apuração. As conclusões definitivas serão apresentadas no Relatório Final SIPAER, ainda sem data prevista para publicação. A investigação segue os protocolos do Anexo 13 da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, do Código Brasileiro de Aeronáutica e demais normas nacionais aplicáveis.

Voepass foi suspensa por não cumprir exigências da Anac

A Voepass está sob fiscalização da Anac desde que o avião da companhia caiu sob um condomínio residencial em Vinhedo. 

“A suspensão vigorará até que se comprove a correção de não conformidades relacionadas aos sistemas de gestão da empresa previstos em regulamentos”, disse a Anac, por meio de nota oficial.

Durante o processo de fiscalização, o órgão exigiu contrapartidas da companhia aérea. “No final de fevereiro de 2025, após nova rodada de auditorias, foi identificada a degradação da eficiência do sistema de gestão da empresa em relação às atividades monitoradas e o descumprimento sistemático das exigências feitas pela Agência”, relatou a Anac.

O órgão informou ainda que houve reincidência de irregularidades que já haviam sido consideradas sanadas, além da “falta de efetividade” no plano de ações corretivas: “Ocorreu, assim, uma quebra de confiança em relação aos processos internos da empresa devido a evidências de que os sistemas da Voepass perderam a capacidade de dar respostas à identificação e correção de riscos da operação aérea”.

Como andam as investigações 

Além das investigações do Cenipa, o inquérito que apura a queda de avião que matou 62 pessoas em Vinhedo está sob responsabilidade da Polícia Federal de Campinas. A associação das famílias das vítimas afirmam que após a conclusão, podem ir atrás do indiciamento dos responsáveis. 

“Temos um assistente de acusação habilitado pela associação. Porque dependendo da conclusão do inquérito, vamos atrás de indiciamento, sim. Independente de ser alto escalão ou pequeno escalão”, disse Adriana Ibba. 

O que diz a VoePass? 

A VOEPASS Linhas Aéreas divulgou uma nota oficial nesta segunda-feira (5), em memória às vítimas do voo 2283, que caiu em Vinhedo no dia 9 de agosto de 2024, deixando 62 mortos. A empresa classificou o acidente como o episódio “mais difícil” de sua história e afirmou que permanece solidária às famílias das vítimas, mantendo apoio psicológico e logístico, além de colaborar com as investigações.

“No dia 9 de agosto de 2024, vivemos o episódio mais difícil de nossa história. A queda do voo 2283, na região de Vinhedo (SP), resultou em perdas irreparáveis. Um ano depois, seguimos solidários às famílias das vítimas, compartilhando uma dor que permanece presente em nossa memória e em nossa atuação diária. Em mais de 30 anos de operações na aviação brasileira, jamais havíamos enfrentado um acidente. Desde o início de nossa trajetória, sempre priorizamos a segurança, o respeito à vida e a integridade em todas as nossas decisões. A tragédia nos impactou profundamente e mobilizou toda a nossa estrutura, humana e institucional, para garantir apoio integral às famílias, nossa prioridade. Nas primeiras horas após o acidente, formamos um comitê de gestão de crise e trouxemos profissionais especializados — psicólogos, equipes de atendimento humanizado, autoridades públicas, seguradoras, além de suporte funerário e logístico. Desde o início, nosso cofundador, José Luiz Felício Filho, esteve à frente das ações, participando pessoalmente das reuniões com os familiares. Também apoiamos a participação das famílias na primeira reunião oficial com o CENIPA para a apresentação do relatório preliminar. Temos atuado de forma transparente junto às autoridades públicas e seguimos empenhados na resolução das questões indenizatórias, já em estado bastante avançado. Mantemos o suporte psicológico ativo e continuamos apoiando homenagens realizadas pelas famílias ao longo deste ano. Nos solidarizamos com toda a forma de homenagem às vítimas do acidente. Seguimos colaborando com as investigações em andamento, reafirmando nosso compromisso com a apuração dos fatos e contribuindo com a melhoria contínua nos processos de segurança da operação aérea. Continuamos caminhando com responsabilidade, humanidade e empatia. Nossa solidariedade permanece firme — com os familiares das vítimas, com toda sociedade brasileira”, afirmou.

avião ATR72 da Voepass, semelhante ao que caiu em VInhedo
Atividades da companhia estão suspensas por prazo indeterminado (Foto: Voepass/Divulgação)

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Guilherme Fortunato

Editor

Jornalista há quase 10 anos, especialista em previsão do tempo, coberturas eleitorais, casos policiais e transmissões esportivas. Aborda pautas de acidentes e crimes de repercussão, além de política.

Jornalista há quase 10 anos, especialista em previsão do tempo, coberturas eleitorais, casos policiais e transmissões esportivas. Aborda pautas de acidentes e crimes de repercussão, além de política.