Policiais federais estão cumprindo 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão (Foto: Helen Anacleto)

O esquema envolve grandes empresas, como a BRF, a Seara e a JBS, e é liderado por fiscais agropecuários federais que recebiam propina para fazer vista grossa na fiscalização

A Polícia Federal deflagrou, na manhã da última sexta-feira (17), a “Operação Carne Fraca” – com o objetivo de desarticular uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio.

No esquema, vários frigoríficos do país vendiam carne estragada tanto no mercado interno quanto para exportação. Gravações telefônicas obtidas pela PF apontam que diretores e donos das empresas estariam envolvidos diretamente nas fraudes, que contavam com a ajuda de servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Paraná, Goiás e Minas Gerais.

A voz de um dos donos do frigorífico Peccin, Idair Antônio Piccin, aparece em um dos áudios gravados com autorização judicial, no qual ele conversa com a mulher dele sobre o uso de carne proibida em lotes de linguiça. Os dois tiveram pedidos de prisão preventiva decretada pela Justiça.

Idair – Você ligou?
Nair – Eu, sim eu liguei. Sabe aquele de cima lá, de xanxerê?
Idair – É.
Nair – Ele quer te mandar 2000 quilos de carne de cabeça. Conhece carne de cabeça?
Idair – É de cabeça de porco, sei o que que é. E daí?
Nair – Ele vendia a 5, mas daí ele deixa a 4,80 para você conhecer, para fechar carga
Idair – Tá bom, mas vamos usar no que?
Nair – Não sei
Idair – Aí que vem a pergunta né? Vamo usar na calabresa , mas aí, é massa fina é? A calabresa já está saturada de massa fina. É pura massa fina
Nair –
Idair – Vamos botar no que?
Nair – Não vamos pegar então?
Idair – Ah, manda vir 2000 quilos e botamos na linguiça ali, frescal, moída fina
Nair – Na linguiça?
Idair – Mas é proibido usar carne de cabeça na linguiça
Nair – Tá, seria só 2000 quilos para fechar a carga. Depois da outra vez dá para pegar um pouco de toucinho, mas por enquanto ainda tem toucinho (ininteligível)

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A investigação identificou que empresários do agronegócio influenciavam a escolha dos fiscais agropecuários que visitavam os frigoríficos. Estes, por sua vez, recebiam propina para fazer vista grossa na fiscalização. Dessa forma, alimentos estragados eram adulterados pelos produtores e recebiam certificados sanitários.

A ilegalidade levou à mesa de inúmeros consumidores do Brasil e do exterior, alimentos muitas vezes tóxicos à saúde humana.

Empresas investigadas

O caso envolve grandes empresas, como a BRF, Seara e a JBS. Frigoríficos menores, como o paranaense Peccin, também estão envolvidos. Aproximadamente 1100 policiais federais foram designados para cumprir 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão em residências e locais de trabalho dos investigados e em empresas supostamente ligadas ao grupo criminoso.

De acordo com a decisão judicial que despachou os mandados, a busca e apreensão em endereços relacionados aos investigados e envolvidos é medida indispensável para a coleta de elementos e aprofundamento da investigação, bem como para propiciar a produção de outras provas que corroborem as já existentes, auxiliando na instrução do inquérito.

Confira a lista de empresas que receberam a visita de policiais na sexta-feira (17):

ATEFFA

BALABAN & GONÇALVES ADVOGADOS

BG CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. ME

BIG FRANGO INDUSTRIA E COM. DE ALIMENTOS LTDA.

BIO-TEE SUL AM. IND. DE PROD. QUÍM E OP. LTDA

BRF – BRASIL FOODS/ BRF S.A.

BR ORGAN FERTILIZANTES DO BRASIL LTDA

CODAPAR/CLASPAR (EADI/FOZ)

DAGRANJA AGROINDUSTRIAL LTDA/DAGRANJA S/A AGROINDUSTRIAL

DALCHEN GESTÃO EMPRESARIAL LTDA

DINÂMICA IMP. EXP. IND. COM. ALIMENTOS LTDA

DOGGATO CLINICA VETERINÁRIA LTDA.ME

E.H. CONSTANTINO

ESCRITÓRIO CENTRAL SUBWAY BRASIL

FENIX FERTILIZANTES LTDA/PORTAL OPERAÇÕESPORTUÁRIAS

FORTESOLO SERVIÇOS INTEGRADOS LTDA

FRANGO A GOSTO

FRATELLI COMERCIO DE MASSAS, FRIOS E LATICINIOS LTDA. ME

FRIGOBETO FRIGORÍFICOS E COMERCIO DE

ALIMENTOS LTDA.

FRIGOMAX- FRIGORÍFICO E COMERCIO DE CARNES

FRIGORÍFICO

FRIGORÍFICO ARGUS LTDA

FRIGORÍFICO LARISSA

FRIGORIFICO OREGON S.A

FRIGORÍFICO RAINHA DA PAZ

FRIGORÍFICO SOUZA RAMOS LTDA

INDUSTRIA DE LATICINIOS S.S.P.M.A. LTDA

JBS S/A

LARA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA

LABORAN ANÁLISES CLINICAS LTDA

MASTERCARNES

MC ARTACHO CIA LTDA

MEDEIROS, EMERICK & ADVOGADOS ASSOCIADOS

MORAR ASSESSORIA E EMPREENDIMENTOS

NOVILHO NOBRE INDUSTRIA E COMERCIO DE

CARNES LTDA

PAVIN FERTIL INDUSTRIA E TRANSPORTE LTDA/AJX TRANSPORTES LTDA

PECCIN AGRO INDUSTRIAL LTDA/ITALLI ALIMENTOS

PRIMOCAL IND. E COM. DE FERTILIZANTES LTDA

PRIMOR BEEF – JJZ ALIMENTOS S.A

RADIO CASTRO LTDA

SANTA ANA COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

SEARA ALIMENTOS LTDA

SIMÃO SOCIEDADE DE ADVOGADOS LTDA

SMARTMEAL COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

SUB ROYAL COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

UNIDOS COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

UNIFRANGOS AGROINDUSTRIAL S.A./COMPANHIA INTERNACIONAL DE LOGISTICA/INTEGRA LOGISTICA

BREYER E CIA LTDA

FABRICA DE FARINHA DE CARNE CASTRO LTDA.

LOGISITICA DISTRIBUIDORA LTDA (INTEGRACAOLOGISTICA, DISTRIBUICAO LTDA)

TRANSFRIOS TRANSPORTE LTDA

PECIN AGROINDUSTRIAL LTDA. ME

CENTRAL DE CARNES PARANAENSE

WEGMED – CAMINHOS MEDICINAIS LTDA67. ARTACHO CASINGS

INDUSTRIA E COMERCIO DE COUROS BRITALI LTDA

MORRETES AGUA MINERAL LTDA

Respostas das empresas

O grupo JBS, que comanda a Seara e Friboi, informou por meio de nota à imprensa que sua sede não foi alvo da operação e que o grupo não recebeu nenhum medida judicial contra seus executivos. Leia na integra: 

“Em relação a operação realizada pela Polícia Federal na manhã de hoje, a JBS esclarece que não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos.  A empresa informa ainda que sua sede não foi alvo dessa operação. A ação deflagrada hoje em diversas empresas localizadas em várias regiões do país, ocorreu também em três unidades produtivas da Companhia, sendo duas delas no Paraná e uma em Goiás. A JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção e a comercialização de alimentos no país e no exterior e apoia as ações que visam punir o descumprimento de tais normas. A JBS no Brasil e no mundo adota rigorosos padrões de qualidade, com sistemas, processos e controles que garantem a segurança alimentar e a qualidade de seus produtos. A companhia destaca ainda que possui diversas certificações emitidas por reconhecidas entidades em todo o mundo que comprovam as boas práticas adotadas na fabricação de seus produtos. A Companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos – seja na produção e/ou  comercialização –  e se mantém à disposição das autoridades com o melhor interesse em contribuir com o esclarecimento dos fatos.” 

Maior operação da PF

De acordo com a Polícia Federal, esta é a maior operação realizada na história da instituição. As ordens judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e estão sendo cumpridas em 7 estados federativos: São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás.

O nome “Carne Fraca” faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por grandes grupos corporativos do ramo alimentício. A expressão popular demonstra uma fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos a sociedade.

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