Curitiba - Dhony Alves, ou Gilvanzinho. Seja quem for, o intitulado filho de criação de Marcelo Alves pode estar a centenas de quilômetros de Curitiba. Ainda suspeito de participação no homicídio da Miss Raissa Ferreira, deixou a prisão há algumas semanas e, segundo um de seus advogados, foi buscar abrigo na casa de familiares. Ou seja, pode ter seguido para Paulo Afonso, sertão do Moxotó, no estado da Bahia. É lá que sua família mora.

Marcelo, Raissa e Dhony sabem a verdade.
Quem matou Raissa? É a pergunta que segue viva (Imagem/Divulgação)

E se o paradeiro, após deixar a cadeia, é um mistério, sua real participação no crime é uma escuridão ainda maior no Caso Raissa. A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Curitiba segue investigando sua conduta no homicídio. Nada está descartado.


É importante destacar que Dhony é enfático ao dizer que agiu em socorro a Marcelo, a quem chama de pai. Conveniência ou não, a tal versão de amparo àquele que lhe dedicou a vida — mesmo que questionável — cai como uma luva em sua história. “Defendi meu pai, ajudei quem sempre olhou por mim.” Justificável.

Dhony diz que, ao chegar em casa naquele 2 de junho, foi surpreendido com uma tragédia. Marcelo, a quem chama de pai, estava abalado e anunciou o ocorrido: Raissa estava morta, no quarto. Embalado em uma lona, o cadáver da miss repousava em cima da cama.

A cena o deixou atordoado, em choque. Parou de pensar e agiu pela emoção, por influência daquele que elegeu para chamar de pai. Foi o que ele disse nos dois interrogatórios. A diferença é que no primeiro tudo foi “na emoção” e por vontade própria.Já no segundo, tudo mudou e ele disse ter sido manipulado por Marcelo.

Indiferente ao que Dhony diz em um momento e muda no outro, ao construir e analisar a linha do tempo daquele dia, é possível perceber que ele agiu muito rápido.


Rápido, preciso e organizado


Dia 2 de junho de 2025, 14h15. Dhony chega em casa. Segundo ele, lá dentro, recebe a notícia de que Raíssa está morta no quarto ao lado. Ele afirma levar um tempo para assimilar tudo e entender o que estava acontecendo. Fica a impressão de que foi um longo tempo. Afinal ele não detalha qual foi esse tempo.

O que esclarece esse intervalo de tempo são as imagens das câmeras de segurança da rua onde moravam. Com base nessas imagens, a polícia já saber que bastaram 14 minutos para que Dhony assimilasse toda aquela tragédia e passasse a tomar decisões.

Dhony chega às 14h15. Cerca de duas horas depois que Marcelo e Raissa chegam. Às 14h29, as câmeras já registravam sua saída de moto. Ou seja, 14 minutos após entrar em casa. Às 14h36, sete minutos depois, ele retorna. E lá fica mais um tempo. Tudo muito rápido para alguém que diz ter sido surpreendido com uma tragédia.

Mas a movimentação de Dhony apenas começava. Vinte e sete minutos depois, às 15h03, Dhony e Marcelo saem da casa. Marcelo é quem dirige a Captiva; Dhony está no banco do carona. Somente às 16h50 Dhony volta para casa, sem Marcelo. Pela versão dos dois acusados, Raissa estava morta dentro da casa. No entanto, existem dúvidas sobre isso. Não se descarta que nesse momento, Raissa ainda estivesse viva.

Fato concreto é que Dhony organizou toda essa movimentação 14 minutos após entrar em casa e descobrir que sua amiga de infância estava morta no quarto e que o seu “pai” era o assassino. É incrível que Dhony não só assimilou tudo como partiu para a ação. Começou o plano para destruir provas e encobrir o crime. Tomou decisões importantes em pouco tempo. Será mesmo que Dhony agiu movido pela emoção? Ou seria apenas o andamento do plano para matar Raissa?

Movimentos finais

Às 17h50, Dhony é flagrado novamente pelas câmeras. Agora saindo com um galão de combustível. Vai ao posto comprar gasolina para abastecer a Captiva. Essa é também a primeira vez que ele sai de casa com o celular. Até então, seu telefone havia ficado o tempo todo dentro de casa, conecato ao wi-fi. Proposital para não deixar rastros até aquele momento? Dhony disse que não.

Minutos depois, às 17h59, ele já está de volta e com o galão cheio de gasolina. Às 18h05, Marcelo e Dhony deixam a casa com o corpo de Raissa. Marcelo dirige, Dhony vai no carona.
Às 18h35, eles voltam. Agora com Dhony na direção. Depois disso, limpam a casa inteira para destruir as provas e em seguida Dhony devolve o carro ao amigo. Estava feito.

Já à noite, com a chegada da esposa do trabalho, Dhony pediu uma pizza, comeu, assistiu a um filme e se divertiu como um bom marido. Agiu como se nada tivesse acontecido. E assim o fez nos dias seguintes.


Linha do tempo questiona versão

Para quem disse à polícia que ficou em choque, em desespero e agiu na mais legítima emoção, Dhony pareceu muito meticuloso durante todo o tempo. Ao menos é essa a impressão que as ações registradas pelas câmeras de segurança sugerem. E estamos falando aqui de um indício observado pela polícia, objeto da investigação. A mesma polícia a quem Dhony afirmou que seu único pecado foi dirigir o carro que transportou o corpo. O fato é que pela análise das imagens das câmeras de segurança fica evidente que nem isso é verdade. Afinal, foi Marcelo quem dirigiu. Mas sejamos justos: Dhony voltou dirigindo, o que torna a versão uma meia-verdade.

Talvez por isso Dhony tenha tentado acessar os vídeos das câmeras da vizinhança. Pontas soltas haviam ficado para trás. Além disso, mentiu para a família de Raissa, dizendo que estava procurando a polícia para começar as buscas. 

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Fez mais: foi até as amigas da vítima para dissimular uma busca por informações. Criou dezenas de histórias paralelas e gerou um ambiente de confusão — tudo para tentar apagar os rastros do crime. Lembrando, que, em sua primeira fala à polícia, ele disse que só dirigiu o carro. O que também não era verdade.


E por que tudo isso?

Segundo ele, no segundo interrogatório, ao dar um novo ponto de vista sobre tudo — após refletir na cadeia — foi por ter se deixado levar por Marcelo. Nunca de forma premetidada ou reativa aos fatos. Aliás, ele disse acreditar na premeditação do Marcelo para cometer o crime. Coisa que ele não falava quando foi ao lado do pai confessar seus pecados, ou parte deles, a autoridade policial. Em resumo, ao que tudo indica, um mês de cadeia fez o “filho”, que antes defendia o pai, esquecer os laços e mirar em Marcelo. Mudam-se os tempos e com eles as vontades e suas convicções.


Hora da morte pode ser outra?


Tudo no Caso Raissa é tratado pelas autoridades como hipótese. Marcelo, que diz ser o único autor do feminicídio, afirma que Raissa morreu no dia 2, no início da tarde. Mas é o que ele diz.
A perícia do corpo não pôde determinar o dia exato da morte. Afinal, uma semana depois é que o cadáver foi encontrado. As provas já estavam bastante prejudicadas. Logo, de informação concreta, o que se tem é apenas a versão de Marcelo.

Raissa pode ter morrido no momento que Marcelo afirma? Pode. Mas também pode ter morrido horas depois de chegar à casa do humorista. Nesse caso, Dhony teria encontrado Raissa ainda com vida.

Os três podem ter ficado horas lá, até o desfecho trágico. Quem matou? Marcelo diz que foi só ele. A polícia tem dúvidas se foi apenas ele — ou se foi ele. Por isso ainda investiga Dhony, para fechar as pontas e eliminar suspeitas.

E o motivo? Outra verdade de um lado só. Após inventar uma falsa proposta de emprego em outro estado para declarar seu amor, Marcelo foi humilhado pela vítima. A violenta emoção o tomou e ele matou. É verdade? Ele diz que sim.

O problema é que Marcelo não sabe dizer como matou Raissa. Afirma que usou uma fita plástica chamada enforca-gato. A perícia disse que não. As marcas de esganadura são incompatíveis com o método que ele afirma ter usado. Na verdade, as marcas indicam que o assassino usou as mãos para matar Raissa.

Que assassino confesso não sabe dizer como matou sua vítima? Erra ao explicar o instrumento e a forma da execução? Existe uma distância muito grande entre matar com um enforca-gato e com as próprias mãos. Fica a dúvida.

E se a morte foi consequência das ações de Raissa — como Marcelo afirma —, se ele culpa a vítima, qual a razão de pegar uma caminhonete emprestada? Fica a dúvida.

E Dhony, que na verdade é Gilvan? Rápido em dizer que estava trabalhando de Uber e só foi em casa para almoçar? Declaração que até o momento trouxe a única prova concreta dessa investigação, que são os registros de corridas do aplicativo naquela manhã.

E indiferente a essa prova documental, coisa rara na confissão de Dhony e Marcelo até momento, a única verdade nesse caso é que a verdade está com três pessoas. Uma é Raissa, que infelimente, morreu. As outras duas são Marcelo e Dhony. O problema com a verdade que eles trazem é que ela nasce depois de uma força tarefa de destruição de provas.

E o que fica disso tudo ? Perguntas, muitas perguntas.

Por que Raissa morreu?

Como e quando ela foi morta?

Quem trocou as roupas de Raissa?

Isso aconteceu antes ou depois da morte?

Quem matou Raissa?

Dhony está em Curitiba?

Ele comparecerá aos compromissos com o processo, quando chamado ?

E Marcelo, conseguirá provar tudo aquilo que sustenta?

Quem responderá tantas perguntas ? O assassino que confessa o crime, mas não sabe como matou? Ou o seu cumplice que ninguém sabe para onde foi desde que deixou a cadeia ? E lá na frente, no Tribunal do Juri, será ainda Marcelo o assassino confesso, ou será que a autoria se mostrará desconhecida? Ninguém sabe como essa história irá terminar. E sobre a verdade, talvez ela nunca apareça. Talvez nem Raíssa saiba por que de fato morreu, talvez ninguém venha a saber.

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jornalista pedro neto posando para foto, de camisa preta e com o fundo branco
Pedro Neto

Colunista

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.