Curitiba - Prestes a completar 60 dias do Caso Raissa, a versão do assassino confesso, Marcelo Alves, trouxe mais dúvidas do que esclarecimentos na investigação sobre a morte da miss. A narrativa de que uma rejeição da jovem, após uma declaração, teria sido o gatilho para a morte da jovem ainda levanta questionamentos. Tanto é que a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Curitiba segue investigando o crime. Isso não significa que a confissão de Marcelo seja, de fato, mentirosa. No entanto, os indícios e os elementos colhidos até agora parecem, de alguma forma, não sustentar essa história.

marcelo alves, assassino confesso de Raissa, sendo preso
Marcelo atraiu Raissa para morte. O motivo ainda é um mistério (Foto: Reprodução/ Redes Sociais)

Um dos principais pontos de dúvida está na justificativa trazida por Marcelo para atrair Raissa até sua casa, em 2 de junho deste ano. Por que alguém íntimo de Raissa precisaria criar uma falsa proposta de emprego em outro estado apenas para se declarar apaixonado? É fato que decisões tomadas pela emoção, muitas vezes, podem ser confusas, ou até mesmo exageradas. Mas criar uma narrativa tão complexa — a ponto de tomar uma caminhonete emprestada e tirar Raissa de sua casa — para simplesmente expressar sua paixão, parece fantasioso.

Considerando o contexto econômico de Marcelo, suas condições de moradia e de trabalho, essa versão torna-se ainda mais frágil. Uma oportunidade de emprego em São Paulo, com bom salário e livre de despesas com aluguel, é uma oferta mais que generosa para um homem de meia idade, vivendo na informalidade, em condições precárias, comendo mal. Sem contar que São Paulo é uma vitrine nacional para todo tipo de artista, inclusive comediantes. Somente Raissa, que confiava nele, poderia acreditar nessa história — sem perceber que corria perigo. Ora, se um homem nessa situação recebesse uma oportunidade de emprego como essa, não seria lógico ele mesmo assumir a vaga? Por que um homem nesse estado financeiro passaria essa chance para outra pessoa?

Logo, não é exagero, muito menos perseguição, por parte das autoridades, seguir com as investigações. Toda essa história é muita generosa. Ainda mais quando vinda de uma pessoa que, até semanas antes do crime, revezava uma moto com o dito filho de criação para ganhar alguns trocados trabalhando com aplicativos de entrega e transporte de passageiros. Talvez por isso, entre tantos indícios suspeitos, Diego Valim, o delegado que comanda as investigações, siga trabalhando dia e noite. A única coisa da qual ele parece estar convencido, até o momento, é que toda essa confissão de Marcelo ainda não convenceu.

Confissão no Caso Raissa esconde motivo?

Violenta emoção que leva a um homicídio privilegiado. Essa é a “verdade” que Marcelo tenta apresentar. Tenta, porque dentro da sua justificativa para matar, o assassino culpa Raissa pela própria morte. Em sua versão, ao declarar seu amor quase platônico pela jovem miss, ele não foi correspondido. Pior: teria sido humilhado com adjetivos como “gordo”, “nojento” e outros termos. Segundo ele, essas palavras o feriram tanto que foi tomado por ódio, ira, e por uma violenta emoção, fez aquilo que jamais faria. Nesse caso, em um julgamento popular, uma atenuante para o crime, o que reduziria sensivelmente a pena.

Crimes cometidos sob violenta emoção, diferentes da extinta “legítima defesa da honra”, são vistos como justificáveis, jamais perdoáveis — mas compreensíveis, dado o contexto. No entanto, a violenta emoção é algo muito subjetivo para ser justificada apenas com algumas ofensas. Talvez por isso, ao tentar enquadrar o Caso Raissa como um homicídio privilegiado, Marcelo acabou esbarrando na tipificação mais dura: o feminicídio.

E não é só pela subjetividade do que se entende por violenta emoção, ou pela fragilidade dos motivos apresentados por Marcelo, que a história toda está sob suspeita. Os indícios vão além. Marcelo começa a se movimentar em torno da vítima pelo menos uma semana antes do assassinato. A proposta de emprego já levanta suspeitas sobre suas reais intenções. 

Linha do tempo assombra a “verdade” de Marcelo

Marcelo Alves indo depor, depois de preso, com roupa laranja do presídio
Preso, Marcelo deu sua versão, mas a confissão está sob suspeita da polícia (Reprodução/RicTv)

Três dias antes de matar Raissa, Marcelo esteve em um aviário próximo à sua casa. Cliente assíduo do local, naquele dia ele não comprou a porção habitual de ração para os cães. Não. Naquele dia, comprou uma lona preta. Essa lona foi colocada em uma sacola verde, fornecida pelo próprio aviário. As fotos da perícia mostram o corpo de Raissa embrulhado em uma lona azul — que, segundo Marcelo, era de uso doméstico, já estava em sua casa. Mas além da lona azul, existia ainda uma lona preta, reforçando a embalagem do corpo. Essa lona preta é exatamente igual à comprada no aviário.

O corpo guardava ainda um último detalhe, talvez o pior e mais cruel deles. A cabeça de Raissa estava coberta por uma sacola verde. Ela cobria todo o rosto da jovem.   A sacola é idêntica às usadas pelo aviário para embalar compras dos clientes. Há ainda o empréstimo da caminhonete Captiva, de um amigo de Dhony. Qual seria o motivo de pegar esse carro emprestado se não havia viagem, nem emprego?

É muita estrutura envolvida para alguém que queria apenas se declarar apaixonado. Criar uma oferta de emprego irrecusável, emprestar um carro grande, tirar a moça de casa, da sua vida, do seu trabalho, da sua estrutura — por uma simples declaração de amor? Tudo é muito exagerado.

Na história de Marcelo, existe um outro detalhe. Além de toda essa estrutura montada para uma simples declaração de amor, ela sugere que Marcelo acreditava em algo fantasioso, quase irreal . Sim. Na narrativa dele, tudo daria certo e Raissa simplesmente deixaria sua vida e seu futuro ali, naquela casa, com ele. Abriria mão de tudo como num passe de mágica, como num filme de romance adolescente? É uma projeção estranha. Ainda mais vindo de um homem com mais de 40 anos, que sobreviveu e construiu a vida no sertão do Moxotó, enfrentando secas, desemprego e peregrinações entre Bahia e Pernambuco, até chegar a Curitiba e sobreviver diariamente… É um pensamento, no mínimo, questionável. Marcelo é um homem feito, experiente. Um nômade que aprendeu a antecipar para sobreviver em meio à solidão que é sua vida. E apesar da construção do personagem ingênuo e apaixonado, Marcelo, mesmo com a falta de sorte na vida, é muito mais inteligente do que parece. Afinal, como dizia o poeta, “viver é perigoso”, e, nesse caso, sobreviver é uma arte.

Ao final desse primeiro ato, ficam os questionamentos:

Por que Marcelo traz um plano tão elaborado para simplesmente se declarar para Raissa?

Por que Marcelo comprou aquela lona preta?

Se não havia viagem ou proposta de emprego, por que Marcelo pegou uma caminhonete para buscar Raissa?

Por trás de toda essa história, existe um motivo que ele tenta esconder?

É o que vamos tentar descobrir no próximo capítulo do Caso Raissa: Violenta emoção ou dissimulação de um crime planejado?

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jornalista pedro neto posando para foto, de camisa preta e com o fundo branco
Pedro Neto

Colunista

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.