Curitiba - Em Curitiba, 31.199 mulheres foram vítimas de violência entre os meses de janeiro a outubro deste ano. Uma média de 100 mulheres vítimas de algum tipo de violência por dia, quatro novas vítimas por hora. Os números apurados pela Coluna Arquivo Aberto têm como base o banco de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná. Os bairros mais violentos para uma mulher em Curitiba são o Centro, onde 9 mulheres são vítimas de violência doméstica por dia, um total de 2.843 no período analisado. Depois vem a Cidade Industrial de Curitiba, com 2.431 casos, uma média de oito mulheres, por dia, apanhando de homens dentro de casa.

Odara, morta quando chegava em casa
Odara foi morta pelo ex-marido quando chegava em casa na madrugada de sábado (Foto – Redes Sociais

Já os casos de feminicídio dentro do período analisado somaram oito casos, mas três assassinatos ocorridos entre a última sexta-feira e sábado, 12 e 13 de dezembro, aumentaram esse número para 11, igualando o total de feminicídios de todo o ano de 2024.

Os casos mais recentes aconteceram em um intervalo de 24 horas, em três bairros diferentes da capital.

Na noite de sexta, dia 12, no Jardim das Américas, Priscila França foi brutalmente espancada pelo marido. Ela morreu no chão da casa, em agonia, na presença do filho de oito anos de idade.

O rabecão do IML mal tinha recolhido o corpo da empresária e já precisou voltar às ruas para mais uma ocorrência. Odara Vitor Moreira, 28 anos, foi esfaqueada até a morte na madrugada de sábado, dia 13, quando chegava em casa, no bairro Portão. Sofreu até o último suspiro de sua breve vida. O acusado do crime é o ex-companheiro de Odara.

Vaneza Matias da Silva, 41 anos, foi esfaqueada no pescoço na porta de uma barbearia, no bairro Sítio Cercado, na noite de sábado. No chão, no meio da rua, na frente de dezenas de pessoas, muitos homens, sufocou nos graves ferimentos até parar de respirar. O autor é o companheiro dela.

Leia também: Mulher é assassinada a facadas durante briga com marido em Curitiba; homem está internado

CRIME DE ÓDIO

A brutalidade dos assassinatos só reforça como esses crimes estão embebidos em ódio contra a mulher, tanto na intenção quanto na ação efetiva de matar. O feminicida mata de forma pessoal, visceral. Ele usa as mãos para espancar, usa para estrangular, usa para jogar de uma sacada, usa para esfaquear. Ele mata com as próprias mãos, como se buscasse descartar um objeto que não está mais sob seu controle, que não atende mais suas necessidades e não obedece aos seus comandos. Frustração que vira ódio por não deter o controle, o domínio, sobre a mulher.

E, em comum, os três casos mais recentes têm o ciclo de violência, muitas vezes silencioso. Nada surge do nada. Os três assassinos já haviam cometido atos violentos contra suas vítimas. A morte foi apenas uma questão de tempo. Afinal, a escalada da violência contra a mulher para um feminicídio já é conhecida, estudada e amplamente divulgada.

COMPORTAMENTO POSSESSIVO

Parece ser impossível frear a fúria de homens que insistem em projetar em suas companheiras um sentimento de posse, de propriedade, de senhorio. Um sentimento alimentado, em partes, pelas ideias fixas construídas por uma sociedade que determina de quem é a chefia da família, “meu carro, minha casa, meus filhos, minha esposa”. Posse!

Muitos indivíduos alimentam a ideia de ser o chefe, dono da mulher. Para eles, não existe o nós. Existe o EU, o egocentrismo. Junte isso a homens propícios à violência, com histórico de falta de regulação emocional, associe à bebida, drogas, ciúmes e sentimentos de ódio por ser contrariado, confrontado por suas atitudes violentas, e terá a receita para que uma mulher seja espancada e, nos casos mais extremos, morta.

VIOLÊNCIA EPIDÊMICA

Falar que 100 mulheres apanham por dia em Curitiba já deixou de ser apenas preocupante. É uma situação de violência fora de controle. E esses números se repetem em todo o país. No Brasil, 37,4% das mulheres sofreram algum tipo de violência em 2024. Um total de 21,4 milhões de vítimas no ano passado. Dessas, 1.492 não sobreviveram, foram mortas. Em Curitiba, foram 11 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres no ano passado. Outras 38 mil foram vítimas de algum tipo de violência. São números que não podem ser normalizados.

“JUSTIFICATIVA”

“Ah, ele está errado, mas essa mulher também não é boa coisa”. Quantas vezes você já ouviu alguém dizendo essa frase quando o assunto era uma mulher que apanhou do marido, namorado ou companheiro? Ou pior, “o que ela fez para ele matar ela?”. Tem aquela ainda, “mas essa mulher também pediu, se sabia que o cara era violento, por que não saiu fora?”.

Se a mulher for uma garota de programa então, aí a lista é mais longa, com direito inclusive à sexualização da vítima. Vale foto, vale procurar vídeos, vale tudo. Afinal, no senso comum, na ignorância do cidadão mediano, subjetivamente a mulher sempre fez por merecer.

Perguntas como essas, pensamentos como esses, só evidenciam um padrão de valores sociais que colocam a mulher na condição de autora da própria tragédia. Para pessoas que pensam assim, ressoa a ideia de que a vítima procurou aquilo.

O mais assustador é que não são apenas homens que apresentam esse padrão de pensamento. Muitas mulheres também manifestam esse sentimento. E essa é a grande armadilha.

Não há justificativa para um feminicídio, para uma mulher ser espancada, humilhada.

Não há justificativa para que um homem agrida sua companheira ou a mulher com quem está se relacionando.

A violência contra a mulher não é um crime justificável, é um crime de ódio e que tem como resultado extremo o feminicídio. Mas quando relativizado, diminuí a vítima e justifica o assassino. O ciclo nunca termina. Depois de apanhar, precisa se defender. Depois de morta, precisa ainda ser defendida.

CÁRCERE EMOCIONAL

Mulheres mortas por seus companheiros e ex-companheiros são vítimas da fúria de criminosos que acreditavam cegamente ter posse sobre a vida de suas companheiras, submetendo-as ao cárcere emocional, uma das piores situações de tortura possíveis. Afinal, a mulher, mesmo indo e vindo de seus afazeres diários, não detém controle algum sobre sua vida, muito menos sobre as próprias decisões. Ela sempre acredita que ele pode mudar. Quando deixa de acreditar, apanha, tem a vida devastada, é difamada, humilhada, perseguida e, no final desse ciclo de violência, morta.

Em meio a esse cenário alarmante, 2025 termina, em Curitiba, sem uma redução no número de casos de feminicídio e com uma média bem próxima de casos de violência contra a mulher registrada no ano passado. O problema é que o ano ainda não terminou, logo basta agora saber se até o dia 31 de dezembro mais mulheres serão agredidas e mortas pelo simples fato de serem mulheres em Curitiba. É cruel, é duro, mas é a expectativa real de um quadro epidêmico de violência que se repete em todo o país.

Quer receber notícias no seu celular? Entre no canal do Whats do RIC.COM.BR. Clique aqui

jornalista pedro neto posando para foto, de camisa preta e com o fundo branco
Pedro Neto

Colunista

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.