Curitiba - Três quilômetros separam as duas principais favelas de Curitiba, Parolin e Vila Torres. Dois territórios de guerra, um verdadeiro corredor do crime, dominado e controlado por quadrilhas, onde o tráfico impera e alimenta todo um sistema de consumo de entorpecentes na região central de Curitiba. Em comum, as duas favelas têm os famosos drive-ins da droga: ruas onde motoristas e pedestres de todos os cantos da cidade compram entorpecentes como numa feira livre. É só chegar e fazer o pedido. É rápido. Cocaína, crack e maconha encabeçam o cardápio. O policiamento existe, mas não é constante. E basta um punhado de olheiros nas esquinas das vias principais para identificar a chegada de uma viatura. Traficantes e motoristas se dispersam em segundos. É tudo muito organizado.

As feiras livres da droga são antigas. Funcionam há décadas, gerando lucros altíssimos para quem controla o tráfico nessas regiões. Com tanto dinheiro em jogo e pouca repressão, era questão de tempo até que surgissem disputas sangrentas pelos territórios do Parolin e da Vila Torres. Nos últimos cinco anos, essas guerras explodiram quase simultaneamente nas duas favelas. E isso não foi coincidência. Assassinatos e tomadas de território ocorreram em paralelo, envolvendo duas das maiores quadrilhas de traficantes da região central: a Nova Era, na Vila Torres, e Os Alemão, no Parolin. Operações violentas, execuções e atentados que espalharam — e ainda espalham — o terror não apenas nas duas favelas, mas em toda a região ao redor.
A coluna Arquivo Aberto teve acesso a documentos e investigações sigilosas da Polícia Civil do Paraná, que mostram como a Nova Era e Os Alemão agiram juntos e de forma sutil, criando um corredor do crime entre as duas favelas. Uma conexão que fortaleceu o crime organizado nessas regiões e criou uma nova dinâmica do crime na região central de Curitiba.
“Territórios em Guerra”
Wellington Neves é o líder do grupo Os Alemão, uma quadrilha formada por criminosos vindos do bairro Uberaba e que tomou a região central do Parolin após uma onda de assassinatos entre 2020 e 2023. Conhecido como Neguinho, nasceu e cresceu na favela do Parolin e, com apoio da esposa, identificada como Wysla, conseguiu levar à prisão dezenas de traficantes rivais, atrapalhando e confundindo investigações de homicídios ocorridos no bairro.

Neguinho é associado ao narcotraficante Werick de Souza Leal, o Rajada, atualmente preso, apontado como líder do tráfico no Parolin. Rajada já dominava a parte baixa do Parolin, a Cidade de Deus, uma região que movimenta milhões por mês com o tráfico. Com o apoio de Wellington, ampliou o domínio para a parte central do Parolin, área farta em biqueiras onde a venda de drogas funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano.
Perigoso, Wellington comandou um violento confronto com a RONE em 1 de janeiro de 2024, quando sete traficantes acabaram mortos. A troca de tiros aconteceu, após a RONE entrar na favela para atender um pedido de socorro dos moradores. “Os Alemão” incendiaram casas e usaram armamento pesado para afugentar traficantes rivais de dentro do Parolin. Minutos antes da chegada da polícia, moradores relataram que mais de cinquenta tiros de fuzil haviam sido disparados pelo grupo de Wellington dentro da favela. Após intensa troca de tiros com a polícia, sete traficantes morreram. Wellington conseguiu fugir. No local foram apreendidas mais de dez armas, entre elas um fuzil, além de munição e drogas.
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E enquanto Os Alemão avançavam no Parolin, as investigações mostraram o crescimento da quadrilha Nova Era, na Vila Torres, no mesmo período. A ascensão da Nova Era começa com a morte do antigo “dono” da favela, conhecido como Macaco Louco, em 2020. O assassinato do chefe do tráfico deixou um vazio no comando da região e três grupos passaram a brigar pelo controle da favela: o Grupo do Patrick, o Grupo do Gelson e a Nova Era. Inicialmente, o Grupo do Patrick assumiu o domínio, mas perdeu espaço rapidamente. A Nova Era assassinou seu principal líder, Patrick Ernane Alves, e tomou a favela.
Para garantir o território, o grupo comandou ataques — como o atentado contra um ônibus da linha Cabral–Portão, em 2022, em retaliação a uma operação da Polícia Militar que terminou com dois suspeitos mortos. A Nova Era também expulsou Gelson, o Gelsinho Matador, principal remanescente do grupo de Macaco Louco, além de toda a sua quadrilha. Com rivais mortos ou expulsos, a Nova Era consolidou um domínio que dura até hoje. Parte deste sucesso está diretamente ligado às relações da Nova Era com a quadrilha dos Alemão.
Vingança e consolidação de poder
No ano passado, Gelson Matador voltou à Vila Torres em busca de vingança. Na noite de 12 de julho de 2024, ele promoveu um atentado dentro de um bar dentro da favela. O alvo era o líder da Nova Era, Matheus Avelar, que foi morto na ação. Além de Matheus, um homem sem antecedentes também morreu, e outras seis pessoas ficaram feridas. A revanche de Gelsinho Matador só foi possível graças a uma aliança com o Primeiro Comando da Capital. O PCC deu a Gelson — por intermédio do traficante Tales Alves Ventura, líder do tráfico na Vila Macedo, em Piraquara — armas, munições, coletes balísticos e veículos para tentar retomar o território.

Mas Gelson não conseguiu seguir com seu plano. Ele foi preso em outubro do ano passado, acusado do assassinato de Matheus, além de outros homicídios. Já Tales foi morto no início deste ano em confronto com a polícia em Piraquara. Com os rivais presos ou mortos, a Nova Era consolidou, em definitivo, seu domínio dentro da Vila Torres.
Corredor do Crime
As investigações mostram que a aliança entre Nova Era e Os Alemão é uma parceria de logística. Uma estrutura que funciona como um corredor do crime entre as favelas, pensado em dar apoio aos grupos em meio às disputas por territórios. Casas-cofre nas duas favelas para guardar armas e drogas; rotas de fuga compartilhadas; carros de apoio, esconderijos durante operações policiais e ofensivas rivais. Um sistema cooperado entre as quadrilhas que controlam as duas maiores favelas de Curitiba e que possibilitou o crescimento dos dois grupos nos últimos anos.
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Hoje, as duas favelas vivem um período de relativa tranquilidade na guerra do narcotráfico, principalmente na Vila Torres. No Parolin, porém, uma série de homicídios marcou o ano de 2025: os mortos são traficantes que resistiram ao domínio de Os Alemão e tentaram retomar o controle na bala. Parolin e Vila Torres têm liderança imposta pelo crime.
E é preciso lembrar que a força do crime organizado nessas regiões hoje afeta a cidade inteira. A consolidação do tráfico no Parolin e na Torres criou um ambiente de insegurança que se espalha por bairros como Uberaba, Cristo Rei, Centro, Jardim Botânico, Água Verde, Portão, Hauer, Guaíra, Lindóia, Fanny e toda a região ao redor.
Com as biqueiras operando a céu aberto, dia e noite, o tráfico alimenta e fortalece uma cadeia de crimes: furtos, roubos, furto de cabos, de carros, invasões de casas e comércios, além do crescimento das chamadas “gangues da bicicleta”. O efeito colateral é sentido por toda a sociedade — e ainda há o impacto na saúde pública, com as micro-cracolândias que se formam nos arredores.
Os dependentes químicos que vagam pelo centro e pelos bairros, dia e noite, em busca de qualquer coisa que renda mais uma pedra de crack, são produto direto desse domínio, dessa expansão e desse fortalecimento do tráfico. A linha Alferes Poli virou um alimentador do tráfico, usada por dependentes químicos e criminosos como conexão entre o Centro e o Parolin. Um problema que puxa outro, e mais outro, numa cadeia que já está fora de controle há décadas.
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Há ainda as centenas de famílias que vivem nessas duas favelas e que são vítimas tanto do crime organizado, quanto da omissão do Estado em dar soluções eficientes ao problema da criminalidade nessas regiões. Quantas pessoas mais terão que sofrer? Quantas mortes mais serão necessárias, quantas denúncias e exposições da atuação criminosa nessas regiões serão necessárias para que algo realmente efetivo seja feito?
Nunca é demais lembrar que o poder não fica vazio e onde o poder público não atua e o Estado não opera, o poder paralelo ocupa. E é isso que acontece nessas regiões; um domínio claro e cristalino do tráfico que preencheu uma lacuna histórica de abandono e descaso dos governantes e autoridades. Traficantes que ‘cuidam’ da comunidade, zeram as ocorrências de furto nas casas, fazem a “segurança” dos moradores, promovem ações de assistencialismo, tudo para manter o controle desses locais historicamente abandonados.
E por fim a pergunta que todos os curitibanos, inclusive os que vivem na Vila Torres e no Parolin, fazem todos os dias é: “Até quando?”
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