Elas não foram salvas: relembre os casos de feminicídio que marcaram o Paraná

Publicado em 22 jul 2021, às 06h00. Atualizado às 06h16.

Tatiane, Ana Paula, Renata, Rachel, Luciane, Elisangela, Ana Maria, Agueda, Juliana, Aline, Tatiana, Gisele, Maria Glória, Maria Elena… são crianças, jovens, adultas e idosas, moradoras de Curitiba, Região Metropolitana, Campos Gerais, Londrina, Maringá e do Oeste. Espalhadas por todo o Paraná. São mães, filhas, esposas, namoradas e sobrinhas, mulheres que trilhavam seus caminhos para o futuro, mas que não puderam prever que seus agressores estavam por perto, à espreita, muitas vezes dentro de casa. Muitas vezes, elas os chamavam de “amor”.

O feminicídio é cruel. Brutal. Pessoas mortas simplesmente por serem quem são, por nascerem mulheres. Assassinadas a tiros, facadas ou asfixia, sem chances para defesa e sem terem para onde correr. Afinal, dentro de casa não era para ser seguro? Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 mostram que não. Ao todo, 54% dos feminicídios aconteceram dentro de residências, ou seja, mais da metade das vítimas foram assassinadas em seus lares.

Em 2020, o Paraná registrou 73 feminicídios, conforme dados do Anuário, tendo o Brasil contabilizado 1.350 casos. O Estado também apresenta um alto número de denúncias de estupro de mulheres e crianças, com 5.984 casos em 2020, atrás apenas de São Paulo, com 11.023 registros.

Dia Estadual de Combate ao Feminicídio

Desde 2019, o Paraná conta com o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, lei 19.873/2019, de autoria da deputada estadual Cristina Silvestri (CDN) e aprovada na Assembleia Legislativa do Paraná. O objetivo do projeto é usar a data para promover ações unificadas para interromper o ciclo de violência doméstica e evitar mortes.

O dia 22 de julho foi escolhido por marcar a morte da advogada Tatiane Spitzner, assassinada pelo marido em 22 de julho de 2018. O acusado, Luis Felipe Manvailer, foi condenado em maio deste ano a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por feminicídio.

Ação em Curitiba

Na capital paranaense, uma ação de conscientização está marcada para acontecer nesta quinta-feira (22), promovida pela vereadora e Procuradora da Mulher da Câmara Municipal, Maria Leticia. O evento deve começar às 10h, na Boca Maldita, na Rua XV de Novembro, no Centro de Curitiba, ao lado da Praça Osório. O objetivo é impactar a população com os dados da violência de gênero e amplificar a discussão sobre o assunto.

Relembre

Não raro, noticiamos situações de violência contra a mulher no Estado. Mas algumas delas marcaram os paranaenses devido à frieza dos crimes, os detalhes de crueldade e as consequências deixadas para trás: famílias destruídas e que lutam por justiça na tentativa de amenizar a dor. Relembre alguns casos:

Tatiane Spitzner

A vítima que impulsionou a criação do Dia Estadual de Combate ao Feminicídio é Tatiane Spitzner. A advogada foi morta asfixiada pelo marido, Luis Felipe Manvailer, no apartamento onde moravam, em Guarapuava. Em seguida, foi jogada do quarto andar do prédio. Imagens de câmeras de segurança que mostravam agressões contra a vítima pouco antes de sua morte, a queda e também o marido levando o corpo de Tatiane novamente para dentro do apartamento, repercutiram por todo o Brasil.

Em maio deste ano, após um julgamento longo, Luis Felipe Manvailer foi condenado pelo júri a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por feminicídio e fraude processual.

Ana Paula Campestrini

Ana Paula Campestrini foi executada a tiros no dia 22 de junho deste ano, ao chegar em casa, no bairro Santa Cândida, em Curitiba. O ex-marido de Ana Paula, Wagner Cardeal Oganauskas, suspeito de ser o mandante do crime, e o amigo do homem, Marcos Antônio Ramon, apontado pela polícia como o atirador que descarregou um revólver contra o carro da vítima, foram presos pelo crime. Os dois homens foram denunciados pelo Ministério Público do Paraná por feminicídio no dia 8 de julho e seguem detidos.

Ana Paula havia se separado de Wagner há cerca de três anos e travava uma batalha judicial contra o homem com relação aos bens do casal. Além disso, lutava para ter acesso livre aos filhos, de 9, 11 e 17 anos. A polícia concluiu que Wagner pagou pelo menos R$ 38 mil para que o amigo, Marcos, com quem trabalhava na Sociedade Morgenau, matasse a ex-esposa.

Maria Elena de Jesus

Em 12 de janeiro deste ano, Maria Elena foi morta asfixiada com um mata-leão após uma festa em São José dos Pinhais. Leonardo Xavier Simões, de 30 anos, confessou o crime e foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná em abril por feminicídio e ocultação de cadáver. Além dele, o irmão, Ricardo Simões de Moura, de 43 anos, também foi denunciado, somente por ocultação de cadáver, por ter ajudado a levar o corpo até a Estrada da Graciosa.

Maria Elena ficou desaparecida até 3 de fevereiro. De acordo com a confissão de Leonardo, ele teria ficado com ciúmes ao ver a vítima beijando uma garota, discutiu com Maria Elena e, na briga, a matou.

Renata Larissa dos Santos

No dia 8 de agosto, está marcado para acontecer o júri popular que irá julgar o ex-policial militar Peterson Cordeiro da Mota, acusado de matar Renata Larissa dos Santos. A jovem de 22 anos desapareceu no dia 27 de maio de 2018 e o corpo da vítima só foi encontrado mais de dois meses depois, em um matagal às margens da BR-376, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, no dia 1º de agosto de 2018.

O julgamento acontece cerca de três anos após o crime e Peterson está sendo acusado de feminicídio. O suspeito conhecia as vítimas através de aplicativos de relacionamento, marcava encontros e cometia os abusos sexuais. Peterson foi preso em agosto de 2018. Durante as investigações, a Polícia Civil encontrou, no celular do acusado, fotos e vídeos de Renata Larissa sendo estuprada. A jovem estava nua e amarrada com as mãos para trás.

Luciane Ávila

A professora Luciane Ávila, de 42 anos, foi morta pelo ex-marido em dezembro de 2019, na frente do filho do casal, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Em julho deste ano, Marcelo Ávila foi condenado a 18 anos e oito meses de prisão em regime fechado por feminicídio.

Luciane foi brutalmente atacada em frente a escola onde trabalhava e na qual o filho, de 8 anos, também estudava, no dia 4 de dezembro de 2019. Na ocasião, ela foi surpreendida pelo ex-marido e esfaqueada, com cinco golpes, na região do peito e das pernas. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos. 

Elisangela Martins

A auxiliar de cozinha Elisangela Martins foi encontrada morta em casa, em Contenda, Região Metropolitana de Curitiba, com rosas e uma aliança nas mãos, e ainda uma frase escrita na testa, feita com caneta: “morreu por confessar uma traição”. A situação foi registrada no dia 18 de junho deste ano.

O suspeito de cometer o crime, ex-marido de Elisangela, Rudinilsom Martins, de 35 anos, foi preso no dia seguinte e cometeu suicídio dentro da delegacia, na Lapa, momentos antes de prestar depoimento. Familiares de Elisangela contaram que o relacionamento do casal era marcado por brigas e discussões.

Agueda do Rocio Mendes Soares

Agueda do Rocio Mendes Soares, de 36 anos, foi morta a facadas durante uma discussão dentro de casa em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, em fevereiro de 2021. Josinei Ratier de Andrade, de 39 anos, marido da vítima, foi indiciado por feminicídio. Josinei é suspeito de assassinar a esposa e de tentar matar o filho, um adolescente de 16 anos, que tentou defender a mãe.

 Josinei teria esfaqueado a companheira pelas costas. O golpe foi desferido com tanta força que a lâmina da faca chegou a atravessar o corpo de Agueda e sair pelo peito. O casal estava junto há 18 anos.

Aline Miotto Nadolny

A terapeuta Aline Miotto Nadolny foi morta asfixiada pelo próprio pai, Luiz Carlos Nadolny, em junho de 2019. O homem foi condenado a 30 anos, nove meses e 22 dias de prisão por feminicídio e ocultação de cadáver. Aline foi abordada pelo pai, que não via há cerca de três anos, enquanto saia de casa para trabalhar. Luiz Carlos foi até a filha para pedir que ela intervisse em um assunto com a mãe. A jovem teria se recusado a ajudar, momento em que o homem afirma que se descontrolou e a matou.

O corpo de Aline foi encontrado no dia 6 de junho num matagal próximo da Colônia Penal Agrícola, em Piraquara. Uma semana depois, o pai dela foi preso e confessou que matou a própria filha por asfixia.

Tatiana Lorenzetti

Tatiana Lorenzetti, de 40 anos, era gerente bancária e foi morta quando saia para trabalhar, no bairro Capão Raso, em Curitiba. O ex-marido da vítima, Antônio Henrique do Santos, foi indiciado por feminicídio em janeiro deste ano e a polícia acredita que ele tenha passado três anos planejando o assassinato de Tatiana. Ele teria chegado a perguntar sobre um matador de aluguel para 30 pessoas. Segunda a polícia, Antônio queria ficar com a guarda da filha e administrar o seguro de vida que a vítima havia feito em nome da criança. 

Antônio Henrique é ex-atleta da Seleção Brasileira de Luta Olímpica e representou o país em competições nacionais e internacionais, e chegou a disputar o mundial de lutas no Uzbequistão em 2014. Ele trabalhou na Polícia Militar de São Paulo, mas deixou a instituição e se mudou para o Paraná. Em Curitiba, conheceu Tatiana com que teve um relacionamento de cerca de quatro anos. No entanto, após o nascimento da filha do casal, os dois se separaram de forma conturbada.

Juliana Anacleto do Amaral

Juliana Anacleto do Amaral, de 27 anos, foi encontrada morta enforcada no banheiro de casa, no bairro Afonso Pena, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. O marido da vítima, Anderson Silva de Ramos, de 42 anos, afirmou que a esposa havia se suicidado, mas a polícia investigou o caso e percebeu indícios de que o homem poderia ter forjado a morte de Juliana.

Anderson foi preso em flagrante suspeito de feminicídio. A família da jovem não se conformava que, após o crime, o homem tenha chorado o falecimento da esposa para manter a versão de que a morte se tratava de suicídio.

Gisele da Costa Santos

Após sair de casa para encontrar um rapaz que havia conhecido em um aplicativo de relacionamentos, Gisele da Costa Santos não foi mais vista com vida. O corpo da vítima foi localizado dentro de um guarda-roupas, amarrado, em abril deste ano, em Cascavel. A causa da morte foi asfixia.

O suspeito de cometer o crime, Márcio dos Santos, foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná por feminicídio. Ele teria comprado o guarda-roupas pela internet, especialmente para ocultar o corpo. Depois, contratou um serviço de frete para deixar o móvel na área rural da cidade.

Ana Maria Muniz

Ana Maria Muniz, de 79 anos, foi encontrada morta em casa por uma das filhas e o neto. A idosa estava com várias marcas de golpes de faca, teve um dos olhos retirado da face e seu couro cabeludo foi arrancado no crânio. Como senão bastasse tamanha brutalidade, em cima do seu corpo havia ainda um gato morto.

O suspeito de cometer o crime, Lourenço Cézar Munir, filho da vítima, também estava na residência, com os pulsos cortados e desacordado devido a uma intoxicação por gás de cozinha. A suspeita é de que, após cometer o crime, ele tenha deixado o gás aberto para tentar tirar a própria vida. Lourenço foi indiciado por feminicídio e, durante seu depoimento para a polícia, afirmou não se lembrar do que aconteceu.

Maria Glória Poltronieri Borges

bailarina Maria Glória Poltronieri Borges, de 25 anos, foi estuprada e assassinada em uma cachoeira em Mandaguari, em janeiro de 2020. A jovem, moradora de Maringá, tinha ido até o local passar o final de semana, mas acabou sendo morta asfixiada. Magó foi encontrada morta em uma área de mata a cerca de 10 metros de uma trilha nas proximidades da cachoeira que fica na chácara. Ela estava com a própria calcinha enrolada no pescoço e apresentava sinais de violência sexual.

O laudo do Instituto Médico-Legal (IML) comprovou que a jovem foi abusada sexualmente e morta por por asfixia – causada por estrangulamento com a peça íntima, que foi usada como uma espécie de torniquete. Ela também estava com vários ferimentos pelo corpo, o que aponta que lutou contra o agressor. Flávio Campana, de 40 anos, foi preso 33 dias após o crime e o sêmen do homem foi encontrado no corpo de Maria Glória. Apesar das provas, o homem nega o crime. Flávio foi indiciado homicídio qualificado (feminicídio), estupro e ocultação de cadáver. 

Rachel Genofre

A pequena Rachel Maria Lobo Oliveira Genofre, de nove anos, foi morta em 3 de novembro de 2008 e o assassinato ficou sem solução por 11 anos, antes de o autor do crime, Carlos Eduardo dos Santos, ser identificado. A criança desapareceu depois de sair da escola, no Centro de Curitiba, e só foi localizada morta, dois dias depois, com o corpo enrolado em lençóis, dentro de uma mala que estava embaixo de uma escada na Rodoferroviária de Curitiba

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) confirmou que Rachel foi estuprada, agredida, queimada com cigarro e morta por asfixia. Carlos Eduardo dos Santos foi condenado em maio deste ano a 50 anos de prisão.

Tipos de violência

O feminicídio é a consequência mais grave da violência contra a mulher mas, por vezes, a vítima sofre outros tipos de abusos e não se dá conta de que está em perigo. Saber identificar situações que podem levar à violência em sua forma mais extrema é essencial para prevenir que as mortes aconteçam.

Veja quais são os tipos de violência e, caso se identifique, peça ajuda:

  • Violência física: conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. Exemplos: tapas, socos, empurrões, queimaduras, empurrões e tortura.
  • Violência psicológica: ameaças, cárcere privado, manipulação, insultos, ciúme excessivo e perseguição. A violência psicológica costuma vir antes dos outros tipos. Abala a autoestima da mulher e a deixa fragilizada para enfrentar a situação.
  • Violência sexual: o estupro é a forma mais conhecida, mas a violência sexual também ocorre de outras formas, como: matrimônio forçado, proibição de uso de métodos contraceptivos, exigência de práticas que ela não gosta ou aborto contra vontade. 
  • Violência patrimonial: ocorre quando a mulher tem sua renda ou patrimônio subtraídos ou destruídos pelo agressor. São comuns casos de extorsão, apropriação de bens e estelionato.
  • Violência moral: quando o agressor tenta fragilizar e denegrir a reputação da vítima, seja por meio de calúnia, difamação, exposição de conteúdo íntimo ou críticas mentirosas.

Denúncias

As denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas através da Central de Atendimento à Mulher, pelo 180, ou no Disque Denúncia da Polícia Civil do Paraná, no 181. Na capital, o telefone da Delegacia da Mulher é o (41) 3219-8600. Clicando aqui, você confere os endereços e telefones de todas as delegacias de atendimento especializado no Paraná.

Para situações que estão em flagrante, é possível obter apoio também pelo 190, número para acionamento da Polícia Militar. Vítimas de violência também podem registrar o Boletim de Ocorrência sem sair de casa, online, clicando aqui.

Rede de proteção

Em Curitiba, a Casa da Mulher Brasileira é um centro de atendimento à todos os tipos de violência contra a mulher previstos por lei: física, psicológica, patrimonial, sexual e moral. O espaço funciona 24 horas e fica localizado na Avenida Paraná, nº 870, no bairro Cabral. O telefone para contato é o (41) 3221-2710.

Botão do Pânico Virtual

Além disso, as mulheres que possuem medidas protetivas podem acionar também a funcionalidade “Botão do Pânico Virtual”, implantada no aplicativo da Polícia Militar do Paraná. A ferramenta tem duas funcionalidades: a primeira é o acionamento imediato da Polícia Militar, que terá acesso à geolocalização do celular e fará um atendimento de emergência por meio das informações disponíveis no aplicativo.

A segunda é a gravação do som ambiente durante 60 segundos, que é enviada à equipe policial como material de apoio para a compreensão do contexto da emergência. As duas funcionalidades operam independentemente, de modo que, caso a vítima feche o aplicativo durante a gravação do som, isso não interfira no seu atendimento. Para ter acesso à funcionalidade, é só pedir a autorização do juiz responsável pelo caso, que concedeu a medida protetiva à vítima.

Violência não é normal. Peça ajuda!