Curitiba - O policial militar Henrique Velozo foi absolvido da acusação de homicídio triplamente qualificado do campeão mundial de jiu-jitsu, Leandro Lo, pela prova técnica demonstrada em plenário — e não por qualquer outro motivo. Sim, embora haja uma enorme comoção da comunidade da luta e de parte da sociedade brasileira, o desfecho se deu única e exclusivamente pela prova dos autos. A absolvição foi fruto da demonstração técnica, científica e testemunhal daquilo que realmente aconteceu. Mesmo assim, brotam teorias da conspiração e acusações na internet e a pergunta mais feita nas redes sociais hoje é: “O que está por trás da absolivção do policial Velozo?” .

Detalhes da investigação e produção de provas mostram o que está por trás da absolvição do policial Henrique Velozo no caso da morte de Leandro Lo
O policial Henrique Velozo foi absolvido por legítima defesa; provas mostraram conduta violenta de Lenadro Lo. (Foto/Reprodução Redes Sociais)

Para entender o resultado, é preciso olhar para momentos cruciais não apenas do julgamento, mas da investigação como um todo. Detalhes que mostram como o resultado final de uma noite de diversão entre amigos se tranformou em morte e, anos depois, em uma absolvição do acusado dessa morte pelo tribunal do júri.

Nada surge do nada

Para a justiça entender como e por que a morte de Leandro Lo aconteceu, diversos cenários foram apurados a partir da produção da prova técnica. O primeiro cenário apurado foi o de como o fato aconteceu e para isso foi feita a Reprodução Simulada dos Fatos — a reconstituição do crime — realizada pela Polícia Civil e pela Polícia Científica de São Paulo. E no caso da morte de Leandro Lo, ela, a reprodução simulada, desmentiu de saída a versão apresentada pelos amigos do campeão mundial de jiu-jtsu sobre a briga com o policial militar Henrique Velozo. A versão deles dizia que Velozo teria iniciado a confusão. Mas, com base no depoimento de testemunhas isentas (que não eram amigas nem da vítima e muito menos do acusado), ficou estabelecido que as agressões partiram do próprio campeão mundial de jiu-jitsu.

Uma testemunha foi fundamental para esclarecer a dinâmica dos fatos naquela fatídica noite de 7 de agosto de 2022, no Clube Sírio Libanês. Ela disse ter visto Leandro Lo derrubar o policial com um golpe de jiu-jitsu conhecido como “baiana”, quando o lutador agacha, vai no quadril do adversário, abraça as duas pernas e derruba o alvo com uma alavanca. Em seguida, Leandro teria montado em Velozo e partido para outro golpe: o mata-leão, quando o lutador entrelaça o pescoço do adversário com os braços e provoca sufocamento imediato.

A testemunha relatou que a violência dos golpes fez com que os próprios amigos de Leandro o tirassem de cima do policial, que já estava asfixiado no chão. A Reprodução Simulada mostrou que toda essa dinâmica durou exatos 29 segundos. E depois? Depois, a testemunha não soube dizer. O policial Velozo afirmou que levantou atordoado pelo estrangulamento e sacou a arma porque disse estar cercado por um grupo de lutadores. Foi quando Leandro Lo, segundo sua versão, teria partido novamente para cima, tentando derrubá-lo com um novo golpe. Simultaneamente, um amigo de Lo teria avançado contra a arma do policial. Então, diante da nova investida de Lo e da tentativa do outro lutador de tomar a arma, o policial disparou uma única vez.

O tiro atingiu a testa do lutador. A perícia mostrou que a dinâmica descrita pelo policial era compatível com a trajetória da bala. Ou seja: a reconstrução feita pela criminalística casava com o que o policial relatou. Nesse tipo de exame consideram-se distância e ângulo do disparo, além da entrada e saída do projétil no corpo da vítima. Em resumo: embora fosse o depoimento de um acusado de homicídio, o que ele descreveu fazia sentido técnico quando comparado à perícia da Polícia Científica.

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É importante ressaltar que, após a reprodução simulada, a acusação pediu sigilo integral do processo. O advogado de defesa de Henrique Velozo, Claudio Dalledone Junior, disse que o pedido foi uma forma de evitar que a opinião pública tivesse acesso à realidade dos fatos. “O segredo de justiça fez com que a narrativa da acusação imperasse ao longo desses três anos. A população foi levada a acreditar que a vítima foi executada naquela noite, quando, na verdade, o policial Velozo foi a vítima, só que uma vítima que se defendeu. O conselho de sentença tem acesso a essa prova técnica e entende o que realmente aconteceu. Percebe que o policial Veloso se defendeu de uma agressão que poderia evoluir para algo muito pior”, declarou o advogado.

E a produção de prova foi além, mostrando que a versão dada pelos amigos de Leandro Lo não era compatível com aquilo que os autos revelavam. Era uma versão distante da realidade. E quem mostrou isso não foi o acusado, nem o juiz, nem o advogado — foi a ciência, a perícia, a técnica investigativa praticada por médicos, físicos e peritos qualificados. O primeiro quadro estava claro: Henrique Velozo agiu em legítima defesa. Foi agredido, estrangulado e, quando se levantou da situação de submissão em que tinha sido colocado, voltou a ser atacado pela vítima.

O agravante seguinte — ou os agravantes — é que, simultaneamente, havia um agressor partindo novamente para cima e um segundo agressor tentando tomar a arma da vítima. Policial é treinado à exaustão para proteger primeiro a sua arma. É um treinamento contínuo, que começa na academia e segue ao longo de toda a carreira. A primeira coisa que o policial protege é a arma. Se ele perde a arma, sua vida e a de terceiros entram automaticamente em risco.

“Mas o policial não estava de serviço e não deveria ter sacado aquela arma num show de pagode”, você pode pensar. No entanto, a falta de legislação específica sobre o porte de arma por policiais a qualquer hora deixa uma lacuna sobre ser certo ou errado estar armado naquele momento. Não há nada que obrigue, mas também não há nada que proíba (proibição apenas para beber e portar arma). O fato é que, quando o segundo homem tenta tomar a arma, a tragédia estava anunciada. O disparo acontece — um único tiro — e Leandro Lo é baleado enquanto avançava de novo para cima de Velozo. Um campo técnico claro de legítima defesa.

Motivo da briga

Outro ponto esclarecido na produção de provas — tanto na fase de instrução quanto no plenário do Tribunal do Júri, no Fórum da Barra Funda — foi o motivo da briga. O desentendimento entre Leandro Lo e o policial Henrique Veloso começou um ano antes. O policial havia separado uma briga e abordado Lo e um grupo de lutadores numa boate em São Paulo. Eles não gostaram da abordagem e teriam dito ao policial que “ali ninguém era bandido”, apesar da briga generalizada em que estavam envolvidos. Henrique, que frequentava os mesmos lugares que o grupo, teria ficado marcado.

Na noite de 7 de agosto, segundo os amigos de Lo, o policial teria provocado o grupo, mexido na bebida da vítima e iniciado a confusão. Mas imagens de câmeras de segurança mostraram Veloso caminhando sozinho pelo Clube Sírio, enquanto o grupo de Lo já havia percebido sua presença. Quando ele passa perto da mesa dos lutadores, é abordado pelo grupo. A prova mostra que o policial só percebeu a presença de Lo quando foi cercado.

A prova mostrou ainda que o policial tentou esfriar os ânimos, se esquivou, e chegou a abraçar Leandro para tentar reduzir o ímpeto do lutador — não adiantou. Logo depois, as agressões começaram, como se Henrique estivesse sendo cobrado por algo. Somado a isso, pesou o depoimento dos seguranças do evento, que relataram diversas intervenções na mesa do grupo de Lo por causa do consumo de drogas. Eles disseram ter pedido várias vezes para que apagassem cigarros de maconha.

Padrão de conduta

Todo esse comportamento, analisado e demonstrado tecnicamente, revelou um padrão de conduta de Leandro Lo e seus amigos. O histórico de brigas e agressões nas noites paulistanas não era novidade. O próprio lutador se vangloriava das surras que dava em quem mexia com ele. Seus amigos também. Eram temidos por manter vivo o estilo “pitboy”, típico da violência que marcou as noites cariocas e paulistanas nos anos 90. Vídeos de brigas, boletins de ocorrência e registros de violência mostraram que a vítima tinha um padrão claro fora dos tatames. E isso precisa ser dito de forma técnica, respeitosa, mas clara: Leandro batia nas pessoas — na maioria, leigos sem qualquer capacidade de enfrentar um faixa-preta campeão mundial.

Quando uma conduta se repete por anos — como mostraram vídeos, BOs e depoimentos — o que se tem é um padrão de conduta muito bem definido. E fica mais fácil entender como a tragédia se formou. O primeiro contato entre Leandro e o policial ocorreu um ano antes. Lo não gostou da abordagem, marcou o policial. Um ano depois, eles se reencontram. O grupo vê o policial primeiro e reage como já havia reagido em outras situações: agride o desafeto. Padrão de conduta dos lutadores, que se repetiu naquela noite.

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A absolvição

Tudo o que foi dito até aqui é fruto de investigação e produção de prova. É o detalhamento oficial do que se apurou. A investigação judicial — o processo criminal — trouxe elementos que apontavam para o real motivo da morte: a agressão sofrida pelo policial e praticada pelo lutador. Mais do que isso: mostrou que a agressão foi severa, grave e envolveu outras pessoas. Mostrou também que Henrique Velozo não deu causa à confusão, não procurou briga. E deixou claro que os amigos de Lo não disseram toda a verdade — e nem tinham obrigação de dizer, já que, pela lei, pessoas próximas não são testemunhas, mas informantes.

As provas decisivas para a absolvição vieram da reprodução simulada, que desmontou a versão dos amigos. Mostrou que o que de fato aconteceu não batia com o que eles diziam. O depoimento da testemunha isenta mostrou agressões violentas e desproporcionais contra o policial. Por fim, a dinâmica da balística, as imagens de câmeras de segurança e os depoimentos dos seguranças foram determinantes para que os jurados concluíssem pela legítima defesa.

É delicado tratar de um tema como esse quando há uma mãe chorando pela perda de um filho. Uma mãe que criou um campeão — na vida e no esporte — mas que jamais deveria enterrá-lo. Essa é a tragédia do Tribunal do Júri: a dor de quem fica. Leandro Lo não merecia morrer, Henrique Velozo não deveria matar, mas a vida humana não cabe num único valor moral. Pessoas são imprevisíveis. Cada indivíduo reage ao estresse, à violência e à injustiça de um jeito. Muitos não disparariam naquela noite. Aliás, muitos sequer reagiam às surras que Leandro Lo dava, como mostram seus históricos. Mas, naquela noite, 7 de agosto de 2022, a vítima das agressões reagiu — e estava armada. O que começou violento terminou violento. O conselho de sentença decidiu que Velozo não premeditou nada, não planejou, não foi ao clube atrás de Leandro. Ele se defendeu. Legítima defesa. Réu absolvido.

Por fim, não a nada por trás da absolvição do policial Velozo. O resultado não é injustiça, não é política, não é falha da lei e nem teoria conspiratória dessas que se espalham como vírus nas redes sociais. O julgamento foi justo, a prova foi produzida à exaustão, os fatos eram concretos. Acusação e defesa mostraram tudo o que tinham. E o resultado foi dado pelo povo: o policial Henrique Velozo se defendeu. A decisão cabe recurso, e o Ministério Público deve recorrer rapidamente.

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jornalista pedro neto posando para foto, de camisa preta e com o fundo branco
Pedro Neto

Colunista

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.

Pedro Neto é curitibano, jornalista investigativo e especialista em gestão de crises. Com mais de 20 anos de estrada, acompanha de perto os bastidores dos casos criminais que mais repercutem no Paraná e no Brasil.