Curitiba - Na Avenida Getulio Vargas, bem próximo a Praça Ouvidor Pardinho, fica um edifício discreto, elegante é possível dizer. Vidros escuros, portaria vigiada 24 horas por dia. Um imóvel comercial da Avenida Getúlio Vargas, mais um, entre tantos edifícios comerciais, existentes na região central de Curitiba. No entanto, de comum, ele não tem nada, segundo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. O relatório de investigação da Operação Tank, aponta que no edifício funcionava o escritório central de uma organização criminosa responsável por lavar bilhões de reais para o maior cartel de drogas da América Latina, o PCC.

O MPF é seguro em afirmar que era ali, em plena região central da capital paranaense, em meio a rotina de centenas e centenas de trabalhadores, feiras e eventos que movimentam aquela região específica, que se decidiam estratégias do crime e se cuidava da contabilidade paralela de um conglomerado bilionário pertencente ao PCC.
O imóvel era frequentado por gente muito perigosa, procurados pela justiça do Brasil e de fora dele. Pelas portas deste escritório passavam semanalmente nomes como de Daniel Dias Lopes e Mohamad Hussein Mourad, líderes da organização, e que hoje estão foragidos da justiça.
Mohamad Hussein Mourad e Daniel Dias Lopes usavam o edifício para negócios importantes para o PCC, segundo o MPF. Mohamad e Daniel atuavam como sócios ocultos na DUVALE Distribuidora de Petróleo e Álcool Ltda., empresa, que segundo o MPF, é o núcleo central no esquema de adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro para a facção.
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Segundo as investigações, Mourad, apontado como um dos maiores fraudadores do setor e ligado ao PCC, detinha 15% do faturamento da sociedade na Duvale e recebia repasses milionários de lucros. Já Daniel, com 10% de participação, assumiu papel estratégico como procurador a partir de 2020, controlando operações financeiras, empresas de fachada e movimentações ilícitas. Os relatórios de investigação apontam que, somente em 2022, a DUVALE movimentou, ao menos, R$ 1,2 bilhão em operações ilegais. Ou seja, juntos, eles garantiam o funcionamento pleno do esquema que abastecia toda rede criminosa com recursos oriundos tanto da fraude em combustíveis quanto do tráfico internacional de drogas.
Além disso, era ali, no discreto edifício da Avenida Getúlio Vargas, que Daniel Lopes e Mohamad Mourad, reuniam empresários de fachada e laranjas usados para dar legalidade às operações: lavadores de carro, motoboys, pequenos comerciantes, gente humilde que cedia documentos para esconder os verdadeiros donos do esquema, para passar orientações, novas metas e coordenar o esquema. Por isso, para o MPF, o edifício da Avenida Getulio Vargas é apontado como o quartel general do núcleo financeiro do PCC, em Curitiba.
O coração do esquema
Do Quartel General da Getulio Vargas, Mohamad Mourad e Daniel Lopes operavam um esquema bilionário. O coração de toda essa engrenagem estava nas distribuidoras de combustíveis, quase todas instaladas em Curitiba e Região Metropolitana. A Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool Ltda., que tem sede em Pinhais, e, segundo o MPF, está vinculada diretamente a Daniel Dias Lopes, era a “integradora” do sistema. Trocando em miúdos, era ela quem recolhia o dinheiro sujo e devolvia limpo para o mercado.
Já a Quimifix Indústria e Comércio de Produtos Automotivos, também com estrutura em Pinhais, oficialmente vendia aditivos, oficialmente. Só que o que os investigadores descobriram é que na verdade a Quimifix era usada para a compra de toneladas de metanol e nafta usados para adulterar combustíveis.
A terceira distribuidora envolvida no esquema, segundo o MPF, era a Arka Distribuidora de Combustíveis que fazia parte da estrutura fornecendo combustível batizado para a rede de postos aliados. Por fim, a justiça aponta a Brasoil Petróleo Distribuidora e a Gol Combustíveis S/A. Essas duas distribuidoras surgem como parceiras em transferências cruzadas para confundir os órgãos de fiscalização.
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A investigação do MPF aponta que todas essas empresas, somadas, sustentavam o fluxo financeiro do PCC no Paraná. E os valores não eram pequenos. O relatório de investigação mostra que a Quimifix, por exemplo, declarou pouco mais de R$ 3 milhões de faturamento em 2019, mas movimentou mais de R$ 35 milhões nos bancos e comprou mais de R$ 45 milhões em insumos. Essas cifras foram destacadas por que, segundo o Ministério Público Federal, é esse tipo de movimentação financeira que caracteriza a lavagem de dinheiro.
Gasolina adulterada e dinheiro de biqueiras
O MPF apurou também que na base de toda essa organização estavam dezenas de postos de gasolina em Curitiba. Segundo a investigação, eles funcionavam como o que a Justiça classificou de“colocadores”. Os colocadores tinham o papel de receber o combustível adulterado, vender ao consumidor final e, principalmente, absorver o dinheiro em espécie vindo das bocas de fumo e dos pontos de tráfico. Esse dinheiro entrava no caixa da venda do combustível como se fosse receita legítima, era lavado e distribuído para outras empresas darem destino lícito.
Isso acontecia da seguinte forma: uma vez lavado nos postos, o dinheiro chegava ao caixa de empresas intermediárias da organização criminosa como transportadoras, lojas de conveniência e prestadoras de serviço. Essas empresas multiplicavam as transações financeiras com novos negócios e branqueavam o dinheiro que seguia para Holdings e gestoras patrimoniais que por fim transformavam em imóveis, carros e investimentos.
A engrenagem financeira
Segundo o MPF, com essa estrutura, a organização movimentou mais de R$ 10 bilhões em créditos externos e pelo menos R$ 594 milhões em depósitos em espécie sem origem comprovada. O dinheiro era movimentado sempre em contas bancárias de fachada, por meio de laranjas, e contas digitais. Algumas contas digitais eram criadas e operadas por uma empresa de tecnologia com sede em Curitiba.
Por que Curitiba? Por que o Paraná?
Por quais motivos o maior cartel de drogas da América Latina escolheu Curitiba e também o estado do Paraná para montar sua operação milionária de lavagem de dinheiro?
Segundo a investigação da Justiça Federal, o Paraná reúne as condições perfeitas para esse tipo de esquema. Curitiba está entre a fronteira com o Paraguai, ponto de entrada da cocaína, e o Porto de Paranaguá, saída da droga para a Europa. O mercado de combustíveis no estado é pulverizado, com muitos postos e distribuidoras de médio porte, o que facilita a infiltração de empresas criminosas. E nomes como Daniel Lopes e Mourad já atuavam em esquemas anteriores. Em vez de sair, profissionalizaram a operação e transformaram a capital em um verdadeiro quartel-general financeiro. Não por acaso, a partir das salas da Getúlio Vargas saíam decisões que afetavam desde os postos de bairro até a lavagem internacional.
Curitiba deixou de ser apenas rota. Hoje é o coração financeiro do PCC. Um sistema empresarial completo, que vai do combustível adulterado ao banco digital, do posto de esquina à holding milionária. Tudo para garantir que o dinheiro sujo da droga vire ativo limpo no mercado.
A coluna tenta contato com as defesas dos envolvidos.
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