Rapaz acabou absolvido porque a vítima não o reconheceu presencialmente. Segundo ela, o ladrão “era mais forte”. (Foto: Divulgação/Fotos Públicas)

Durante abordagem, policial mandou a foto do suspeito para vítima pelo aplicativo e suspeito foi preso sem que o reconhecimento pessoal fosse realizado

O ajudante Alexandre da Silva Thomaz, de 30 anos, ficou quatro meses na cadeia por um crime que não cometeu. Ele foi acusado de participar de um roubo de carro. Abordado pela Polícia Militar, um dos agentes fez foto dele e mandou pelo aplicativo WhatsApp para a vítima que, naquele momento, o reconheceu. 

Só que a Polícia Civil não fez o procedimento considerado básico nesses casos: o reconhecimento pessoal. O ato só foi realizado no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste, na semana passada. E ele acabou absolvido, porque a vítima não o reconheceu. Segundo ela, o ladrão “era mais forte”. 

O caso aconteceu na noite de 8 de janeiro. Uma cabeleireira de 35 anos, a filha de 19 e mais três filhos pequenos foram abordados por quatro assaltantes quando pararam o carro, uma Tucson, em um semáforo da Avenida Conceição, na Vila Maria, zona norte da capital.

O carro foi abandonado na Rua Major Roberto dos Santos. A PM encontrou o veículo graças a um rastreador. Segundo a polícia, Thomaz e um amigo estavam de carro em uma rua próxima e foram abordados. 

O advogado Bruno Benevento Lemos de Lira, que defende o acusado, diz que os PMs mandaram a foto de Thomaz pelo telefone para a vítima. “A proprietária do veículo não estava no local. Depois que a foto foi enviada, os policiais foram buscá-la. Em nenhum momento, ela saiu da viatura ou viu o rosto do meu cliente”, contou.

Lira disse que, quando chegou ao 73ºDP (Jaçanã), onde o caso foi registrado, o delegado José Carlos de Castro Morales o informou que o reconhecimento pessoal já havia sido feito e “dado positivo”. Thomaz foi autuado em flagrante por roubo e encaminhado para o Centro de Detenção Provisória (CDP) da Vila Independência.

O advogado impetrou recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pedindo a liberdade provisória de Thomaz. Todos foram negados. O argumento principal é que seria prudente aguardar a primeira audiência do processo, antes de qualquer decisão.

Mentira

Foi no dia 8 de maio, na 27ª Vara Criminal, que Lira, o Ministério Público e a Justiça descobriram que o delegado Morales não fez o reconhecimento pessoal do acusado pela vítima na delegacia. Em depoimento, a vítima afirmou que fez apenas o reconhecimento por foto do suspeito e a imagem mostrada não era a do réu.

Na sentença, a juíza Carla Santos Balestreri afirmou que a vítima reconheceu o acusado, porque a mãe dele foi até a casa dela e mostrou uma foto. Mas não o reconheceu como o autor do roubo. Diz ainda que as vítimas não fizeram reconhecimento pessoal na delegacia. Ressaltou também que os policiais que prenderam Thomaz apresentaram versões contraditórias. No fim, a juíza determina a absolvição. “Entendo que não há elementos suficientes para comprovar a prática do roubo por parte do acusado, devendo prevalecer, no caso, o princípio da presunção da inocência.”

Liberdade. Thomaz foi solto na sexta-feira. Divorciado, saiu do CDP da Vila Independência e foi direto encontrar os dois filhos, um de 13 anos, e outro de 1 ano e 4 meses.

“Estava com muita saudade deles”, disse. Durante o período na prisão, ele proibiu os filhos de visitá-lo. “Não queria que me vissem naquele lugar horrível. Seria traumático demais.” Apenas a mãe, de 53 anos, o visitava no CDP. 

Thomaz continuou empregado na empresa onde trabalhava antes de ser preso. Na segunda-feira, ele voltou ao trabalho. “O patrão pediu para entrar às 6 horas para não ter tempo de ficar pensando besteira.” Lira disse que vai processar o Estado e as vítimas por danos morais. “Também vou abrir queixa na Corregedoria contra o delegado. Um erro básico custou a liberdade de um inocente”, afirmou.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que as vítimas fizeram reconhecimento pessoal na delegacia, mas o documento não foi elaborado. “A falta de elaboração do Auto de Reconhecimento impediu que o documento constasse no processo. A Polícia Civil informa que, constatada irregularidade, será aberto procedimento administrativo.”