Conte até 40. É rápido, menos de um minuto. Apenas 40 segundos. Não é tempo suficiente sequer para esquentar um prato de comida no micro-ondas, ou ouvir uma música inteira. Mesmo assim, uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Isso significa que, anualmente, o suicídio mata mais pessoas do que o HIV, a malária, o câncer de mama e até mesmo guerras e homicídios. Para a OMS, o suicídio é considerado um problema relevante da saúde pública global. Pensando nisso, o dia 10 de setembro foi escolhido como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

Com a variação dos dados e a dificuldade de se traçar um padrão entre as vítimas, a prevenção do suicídio se torna cada vez mais um tema em pauta. Recentemente, a OMS chegou a lançar um novo programa de prevenção ao suicídio que, segundo o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, não deve ser ignorado. 

“Não podemos – e não devemos – ignorar o suicídio. Cada um deles é uma tragédia. Nossa atenção à prevenção do suicídio é ainda mais importante agora, depois de muitos meses convivendo com a pandemia de Covid-19, com muitos dos fatores de risco para suicídio – perda de emprego, estresse financeiro e isolamento social – ainda muito presentes. Suicídios são evitáveis. Chamamos todos os países a incorporarem estratégias comprovadas de prevenção ao suicídio em seus programas nacionais de saúde e educação de maneira sustentável”, afirmou Ghebreyesus. 

Dados alarmantes

Os dados evidenciam uma realidade preocupante. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idades entre 15 e 29 anos, com 800 mil pessoas morrendo todos os anos por este motivo. São 800 mil vidas que, segundo a OMS, poderiam ser preservadas – já que, segundo a organização, a grande maioria dos casos de suicídio poderiam ser evitados

Além disso, a estimativa é de que apenas um em cada três casos de tentativa de suicídio chegue aos serviços de saúde. Ou seja, para cada pessoa que morre vítima de suicídio, existem muitas outras que tentam fazer o mesmo.

No entanto, mesmo que o suicídio seja considerado um problema grave de saúde pública, o assunto ainda é um tabu. Seja por motivos religiosos ou culturais em geral, falar em suicídio ainda é delicado para muitos. Ainda há uma máxima de que, quando o assunto é abordado, automaticamente existe uma ação de incentivo para aqueles que desejam colocar um fim em seu sofrimento. Essa constatação, no entanto, vai contra a recomendação dos especialistas e da própria OMS.

Justamente pela falta de abordagem, as 800 mil pessoas que se suicidam por ano, muitas vezes, não tiveram a oportunidade de entender o que estava acontecendo. Não tiveram o último apoio, a última conversa – um último fôlego. São 800 mil pessoas que poderiam ter sido ajudadas. 800 mil sorrisos que não existem mais. 

Quem são as vítimas?

Existem casos de empresários que cometem suicídio. No entanto, estudantes também são vítimas. Algumas vezes, pessoas solitárias. Em outras, pais de família. A OMS afirma que 79% dos casos ocorrem em países de baixa e média renda. Mesmo assim, países como Rússia, China e Japão, que ocupam o topo da economia mundial, estão entre os países mais suicidas do mundo.  

Para a psiquiatra especialista em comportamento suicida, Karen Betz, a vítima de suicídio está mais perto do que se imagina. Em entrevista ao RIC Mais, ela afirmou que o suicídio pode ser a união de diversos fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e, principalmente, psicológicos

“Na maioria dos casos, alguma doença da mente acaba se desenvolvendo em meio a tudo isso, e se tornando a protagonista no caminho que vai levar a pessoa ao suicídio. Alguns transtornos de ansiedade geram pensamentos tão perturbadores, que a pessoa acaba entrando em um sofrimento intenso, que pode acarretar em suicídio”, disse ela. 

A psiquiatra afirma que existem doenças que causam até mesmo pensamentos delirantes e psicoses, nos quais é possível que a pessoa cometa suicídio, sem, no entanto, ter conscientemente essa intenção.

Dos males, o pior

Para Karen, a doença que mais atinge as vítimas de suicídio é a depressão. E isso pode ser explicado de maneira simples e bioquímica: uma pessoa com transtorno depressivo apresenta redução na capacidade de ação de neurotransmissores, como noradrenalina e serotonina. Esses são os neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer e de emoções, como alegria e felicidade. 

“A pessoa possui um sofrimento intenso por pensamento de tristeza profunda, culpa, desesperança, falta de prazer nas atividades que antes geravam esse prazer, falta de autoestima, e até incapacidade de reagir positivamente a eventos felizes que possam ocorrer”, conta Karen.

Além disso, a depressão tem sido comumente negligenciada. Segundo dados da OPAS, embora existam tratamentos cientificamente comprovados para a depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo recebe tais tratamentos. Em muitos países, menos de 10% das pessoas acometidas pela depressão faz o tratamento corretamente.

Perfil suicida

Para a Dra. Karen, a dificuldade em traçar um perfil suicida consiste na existência de um fator individual, que pode ser, muitas vezes, genético. Segundo ela, o componente individual de saúde mental atua, justamente, no porquê de algumas pessoas conseguirem reagir de forma positiva e superar adversidades, enquanto outras entram em depressão e ansiedade extrema, a pontos de se tornarem vítimas do suicídio. Por isso, ela frisa os casos devem ser analisados individualmente.

“O suicídio em jovens aumentou em todo o mundo nas últimas décadas, e também no Brasil, representando a terceira principal causa de morte nesta faixa etária no país. O suicídio também é elevado entre os idosos, devido a fatores como a perda do cônjuge e solidão. Os óbitos por suicídio são três vezes maiores entre os homens do que entre as mulheres. Já as tentativas de suicídio são, em média, três vezes mais frequentes entre as mulheres”, exemplificou.

A boa notícia, no entanto, é que o componente individual é potencialmente tratável. Segundo a psiquiatra, é possível intervir, de forma psicoterapêutica e também farmacológica, antes que o suicídio ocorra.

Comportamento suicida

É muito comum que, assim que uma pessoa comete suicídio, questionamentos sobre o comportamento prévio da vítima sejam feitos. As famílias refazem os passos da vítima, no intuito de perceber onde tudo poderia ser evitado.

Para Karen, existem indícios que servem de alerta. Isolamento, desistência de compromissos e perda de interesse em atividades que antes eram fonte de prazer, por exemplo, são alguns dos comportamentos que podem anteceder o suicídio.

“Quando alguma pessoa fala, em algum momento, que prefere morrer, ou que vai cometer suicídio, isso não deve ser interpretado como uma brincadeira, uma ameaça vazia ou uma chantagem emocional. Estudos mostram que, na maioria dos casos de suicídio, houve alerta deste tipo antes. Comentar sobre o seu desejo de dormir e não acordar mais, por exemplo, ou ainda falas como ‘deixar os outros em paz’, falas sobre desaparecer, sinais muitas vezes muito claros, mas que costumam ser deixados de lado e ignorados”, afirmou.

Onde buscar ajuda

Todos os especialistas em suicídio convergem em um ponto: é fundamental procurar ajuda. Para isso, diversas ações são disponibilizadas para que as potenciais vítimas possam conversar com profissionais e realizar o tratamento necessário.

A OPAS elencou uma série de pontos fundamentais para quem sofre com pensamentos suicidas. Entre eles, estão a procura pelo tratamento necessário e o cuidado com a saúde do corpo e da mente. Confira:

  • Conversar com alguém de confiança sobre seus sentimentos.
  • Procurar ajuda. Um profissional de saúde ou médico local são um bom lugar para começar.
  • Permanecer conectado(a). Manter contato com familiares e amigos.
  • Continuar fazendo coisas que sempre gostou, mesmo quando não está com vontade.
  • Estar atento aos pensamentos negativos persistentes e à autocrítica
  • Parabenizar-se por suas conquistas.