O líder do governo na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), Pier Petruziello (PTB), pediu a cassação do vereador Renato Freitas (PT) nesta segunda-feira (07). O pedido foi motivado pela invasão que o vereador promoveu à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Largo da Ordem, no domingo (06). O vereador, que participava de um protesto contra a morte do congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, no Rio de Janeiro, considerou legítima a invasão. Além dos vereadores, deputados estaduais e federais dizem que vão solicitar ao Ministério Público apuração dos fatos.

“Nós somos os guardiões da legislação, não podemos afrontá-la. Nós temos que tomar as medidas, apresentar a denúncia no Conselho de Ética, e quem vai julgar isso, da melhor forma, são os vereadores”,

disse Petruziello.

A Câmara ainda informou que, depois do pedido de Petruziello, outras duas solicitações de cassação contra Freitas também foram protocoladas no Conselho de Ética da casa. O vereador Renato Freitas disse que ainda não foi informado dos pedidos.

O Partido dos Trabalhadores (PT), também se pronunciou sobre o episódio. Disse que não tem nenhuma relação com o movimento, mas reafirmou que no momento do ato, não havia missa na igreja.

Repúdio

Durante a sessão plenária desta segunda-feira (7), 15 vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) declararam solidariedade aos católicos da capital do Paraná.

Repudiamos qualquer ato de violência e  atos discriminatórios, em quaisquer de suas formas, entendendo legítimas as manifestações pacíficas que visem a proteção dos direitos de todos os cidadãos. Da mesma forma, esta Casa não compactua com quaisquer violações às liberdades religiosas e locais de culto, na medida em que se trata de um preceito fundamental para se configurar um estado democrático”,

declarou o presidente do Legislativo, Tico Kuzma.

A maior parte dos vereadores que se manifestou em plenário criticou Renato Freitas pela invasão da igreja, por verem no ato uma ameaça à liberdade de culto. Membros da bancada evangélica lembraram que o parlamentar já foi denunciado ao Conselho de Ética da CMC, após chamar pastores de “trambiqueiros”, e que o caso foi arquivado. Freitas também já foi pego pichando paredes do mercado Carrefour Parolin, em Curitiba, durante um protesto, além de ter agredido policiais em outra situação.

Em geral, os parlamentares entenderam que é legítimo o motivo do protesto, repudiando a violência contra o congolês morto. Mas repudiaram a forma como Freitas coordenou o protesto, invadindo uma igreja.

Fora da CMC

A invasão à igreja repercutiu além das paredes da CMC. Deputados estaduais e federais também se manifestaram sobre o assunto, pedindo investigações. Um deles foi o deputado estadual Márcio Pacheco (PPL), que além de manifestar indignação e repúdio sobre o episódio, já encaminhou ofício à Polícia Civil e ao Ministério Público do Paraná.

“O meu sentimento, como da maioria dos católicos e das pessoas de bem deste Paraná é de repudio e indignação. Foi um exemplo de intolerância religiosa. A impressão que dá é que essas pessoas querem promover o contrário que uma sociedade civilizada espera, deseja e precisa. Além de uma grande falta de respeito com a fé e religiosidade do próximo, eles promoveram um crime previsto no Código Penal em seu artigo 208”,

declarou Pacheco.

Conforme o Código Penal em seu artigo 208, informou o deputado, escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Já o deputado federal Reinold Stephanes Junior (PSD) pediu auxílio ao advogado criminalista Jeffrey Chiquini, para ingressar com pedido de apuração e responsabilização de Freitas, e seus seguidores, junto ao Ministério Público.

“Uma pessoa que induz e instiga o preconceito e a divisão, não pode lutar por igualdade. É nosso dever combater ataques à democracia e liberdade religiosa”,

disse Sthepanes Junior.

O que disse Freitas

Assim como diversos vereadores se manifestaram na sessão plenária da CMC nesta segunda-feira (07), Freitas também aproveitou o espaço para se defender.

“Foi escolhida [para a manifestação] a Igreja dos Pretos, construída pelos pretos e para os pretos, justamente porque na igreja central, na Matriz, os negros eram proibidos de entrar. Uma Igreja dos Pretos que, embora tenha esse nome, é cuidada pelos brancos. Lá estivemos às 18h e não atrapalhamos nenhuma missa. As filmagens mostram que a igreja estava absolutamente vazia. Entramos e dissemos que nenhum preceito religioso supera o amor e a valorização da vida. Lá dentro, afirmamos isso, e saímos ordeira e pacificamente, e eu desafio a qualquer um provar o contrário”,

afirmou Freitas.

Veja a nota do Vereador Renato Freitas na íntegra:

O Brasil nega constantemente o direito à vida à população negra.

Tratados como subcidadãos, subraça, nós negros – de todas as tonalidades e feições – somos vistos como inimigos a ser vigiados, controlados, explorados e, se ousarmos lutar por nossos direitos, assassinados.

Moise é mais uma vítima desse sistema que até pouco tempo atrás impunha aos negros uma existência sem direitos, apenas deveres.

Foi exigir o pagamento pelos dias de trabalho e foi surpreendido pela violência brutal e covarde de seus assassinos. Aos que passavam, diziam os algozes que se tratava de mais um “negro ladrão”, e que por isso estava sendo “justamente” linchado, na terra em que – nos dizeres do presidente da república – “bandido bom, é bandido morto”.

E quem tem a cara de bandido num país de 450 anos de escravidão e apenas 150 de abolição? Durval, pai de família, trabalhador honesto, cheio de vida; baleado três vezes pelo próprio vizinho, branco, sargento da marinha e apoiador veemente do atual presidente.

A injustiça praticada em qualquer lugar é uma ameaça à justiça de todos os lugares, e por isso aqui em Curitiba nos levantamos e gritamos bem alto para que todos pudessem ouvir: basta de racismo, basta de violência policial, basta de covardia!

Ecoaram nossos clamores para dentro da Igreja em frente ao protesto, a Igreja dos Pretos, construída por pretos e para pretos em 1.737, justamente porque os brancos proibiam a entrada de negros em suas igrejas à época.

Porém, duas beatas e o padre ouviram, mas não escutaram, viram, mas não enxergaram. E disseram para que fôssemos protestar longe dali, embora a missa já tivesse acabado e a Igreja vazia.

A contradição de não poder fazer uma manifestação de negros para afirmar a vida de nós negros em frente à Igreja feita por negros para os negros que não podiam entrar em outra Igreja, foi indignante.

Por isso resolvemos entrar e lotamos a “Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito” de fé e de esperança.

Falamos do pecado mortal da acepção de pessoas, discriminação que levou à crença da superioridade duma raça por outra, fundamentando a escravização dos africanos pelos europeus, infelizmente com o apoio da Igreja.

Ressaltamos o valor do amor e convocamos aqueles que creem a agir, pois a fé sem obra é morta. Lembramos a todos que Deus está nos humilhados, nos pobres, nos oprimidos e nos injustiçados.

Quem vira as costas a eles, vira as costas a Deus.

7 fev 2022, às 22h39. Atualizado em: 21 mar 2022 às 15h24.
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