Antes de matar ex-mulher, PM foi liberado por psiquiatra para receber arma da corporação
Em coletiva de imprensa realizada na manhã desta quarta-feira (14) pela Polícia Militar, a corporação explicou que o soldado Dyegho Henrique Almeida da Silva havia acabado de voltar de um afastamento por questões de saúde, mas que parecia estar bem. Dyegho inclusive chegou a ser avaliado por um psiquiatra, que o liberou para voltar às atividades e receber novamente a arma da corporação, a qual teve acesso horas antes de matar a ex-mulher, Franciele Cordeiro e Silva e cometer suicídio.
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Segundo o médico Ten. Cel. Darwin Takahiro Shiwaku, responsável pelo Hospital da Polícia Militar, Dyegho procurou a unidade no dia 4 de abril, alegando estar com a saúde mental afetada. O soldado passou a ser acompanhado pelos médicos, teve a arma recolhida e foi afastado das atividades por três meses. Depois, voltou a trabalhar na PM, mas na área administrativa, na Central de Operações da Polícia Militar (Copom). Nesta terça-feira (13), Dyegho passou por uma avaliação psiquiátrica e foi liberado para portar a arma da corporação novamente.
“Ele procura o médico assistente, a junta médica avalia a legitimidade deste afastamento, homologa ou não, neste caso foi homologado no mês de abril. No caso dele, em específico, ele ficou em uma quarentena de três meses, sem o porte de arma. Na restituição ele foi avaliado para ver se ele tinha ou não condições de portar a arma”, explicou o médico Darwin.
O Major Luciano Cordeiro, responsável pelo Copom e chefe de Dyegho disse ainda em coletiva que, no trabalho, o soldado era um bom policial, com boa conduta e comportamento. “Policial que trabalha fazendo suas tarefas sem qualquer tipo de alteração comportamental, emocional, atuando e fazendo muito bem, inclusive analisando a ficha dele tinha elogios em sua ficha. Ele trabalhou no 13º Batalhão, trabalhou na rua, é um policial que tem uma conduta, um comportamento ótimo e nunca apresentou qualquer tipo de alteração desta natureza para nós”, contou.
Pedido de medida protetiva
O que a Polícia Militar não tinha conhecimento, porém, era de que Franciele procurou a Delegacia da Mulher no domingo (11) e pediu uma medida protetiva contra Dyegho, com medo das novas ameaças que ele tinha feito durante o feriado. Além disso, o via rondando sua residência e a escola da filha dela, de 11 anos. A Justiça autorizou a medida protetiva ainda no domingo, mas a notificação não chegou à tempo até a corporação.
Segundo a advogada de Franciele, que a auxiliava no processo de separação de bens do casal após o término do relacionamento dela com o policial, ele pode ter recebido a notificação da medida protetiva pouco antes do crime, já que o prazo era de 48h a partir do domingo.
“No domingo eu orientei a fazer a medida protetiva, até então eram só boletins de ocorrência, mas no domingo eu falei para ela ‘Fran, vamos acabar com isso, vamos registrar a medida protetiva que é uma forma que você tem de se proteger’. Então fomos até a delegacia, registramos o boletim de ocorrência e solicitamos a medida protetiva que estava para sair na data de ontem, em um prazo de domingo em até 48 horas. Então provavelmente ele recebeu a medida protetiva ontem, ou um aviso, não sabemos o que aconteceu”, disse a advogada.
A advogada ainda relatou que Franciele demorou para pedir a medida protetiva pois não queria prejudicar o policial no trabalho. A medida protetiva tinha como objetivo impedir que o policial se aproximasse da ex-mulher, mas não pedia a restrição de acesso à arma de fogo.
Carta de desabafo e crime premeditado
Antes de cometer o crime, Dyegho enviou uma espécie de carta a um colega de trabalho, também policial, justificando os motivos que podem ter levado o suspeito a cometer o crime. Na mensagem ao amigo, o PM disse ter feito um empréstimo e afirmou estar com dívidas. Ainda, ele contou que amava Franciele, que ela estava em um novo relacionamento e que ele não estava suportando a situação.
A carta não foi divulgada pela corporação na íntegra, mas os policiais afirmaram que o conteúdo revela que o crime foi premeditado por Dyegho, que estaria determinado a matar a ex-mulher.
A advogada de Franciele contou ainda que ficou chocada ao saber do crime e que a jovem, de 28 anos, tinha uma carreira brilhante. “Eu falava para ela, ‘vai viajar com os seus filhos’, ela tinha acabado de fazer o passaporte, tinha o sonho de viajar para fora, tinha uma carreira brilhante. Ela tinha dois, três empregos como técnica de enfermagem, então ela tinha um poder aquisitivo bom, ela tinha o salário dela. Não se explica, é inexplicável, eu estou em choque hoje”, disse a advogada.
A advogada relembrou também que Franciele contou o casal se conheceu pela internet, os dois namoraram e depois moraram juntos, em união estável. No entanto, as brigas começaram em 2021 e, em 2022, começaram as agressões físicas. A vítima já havia relatado que o então companheiro tinha picos de agressividade e que a situação se agravou nos últimos três meses. Três boletins de ocorrência registraram as ameaças e violências e Franciele chegou a procurar a Corregedoria da Polícia Militar duas vezes, sendo a última delas no dia em que foi assassinada a tiros.
Procedimento e negociações da PM
O major Rocha, que coordenou a operação de abordagem e as tentativas de negociações com o soldado enquanto ele fazia Franciele refém, contou que a equipe seguiu os procedimentos padrões para a situação com o protocolo padrão: “Preservar a vida de outras pessoas envolvidas, retirar pessoas do ambiente, fazer o isolamento – inicialmente precário, inicialmente nós conseguimos fazer isolamento próximo do evento crítico e na sequência fomos ampliando essa proteção. Afirmo que a Polícia Militar seguiu protocolos estabelecidos e normatizados no âmbito interno da corporação”, frisou ele.
Sobre as imagens gravadas por vizinhos, que mostram o soldado fora do carro e os policiais pedindo para que ele largasse a arma, a Polícia Militar afirmou que os primeiros agentes que chegaram ao local não tinham conhecimento que a mulher estava baleada dentro do veículo e que as negociações aconteciam para que o policial se entregasse.
“Eles [os primeiros policiais que chegaram] entenderam que era caso de recuar, se abrigar e pedir apoio para gerenciamento daquela crise que estava estabelecida. Não posso responder em que momento exatamente teria acontecido o óbito [de Franciele]. O que eu posso afirmar é que sempre que as equipes tentavam avançar, na direção do causador do evento crítico, ele reagia de maneira agressiva e apresentava a arma, e colocava a arma na cabeça”, explicou Rocha.
Veja a cronologia do crime:
- Nesta terça-feira (13), o policial militar recebeu a arma da PM e saiu da sede em direção a Rua Francisco Nunes.
- No bairro Rebouças, já no final de tarde, 14 minutos após deixar a sede da PM, o policial abordou o carro da ex-mulher, que voltava de mais uma denúncia na Corregedoria da Polícia Militar. Ele estava de moto, desceu do veículo e começou a atirar. Franciele estava com a filha de 11 anos no automóvel e ainda deu a ré ao perceber os tiros. Ela bateu em outro carro e foi obrigada a parar.
- A adolescente de 11 anos conseguiu sair do carro correndo, sem ferimentos, gritando que o padrasto havia atirado na mãe. A Polícia Militar foi acionada e Dyegho entrou no carro da ex.
- A mulher foi baleada e ficou refém do ex-companheiro dentro do veículo. As equipes começaram as tentativas de negociação para que a Franciele pudesse ser socorrida e para que o policial se entregasse.
- As negociações duraram cerca de quatro horas, sem sucesso.
- Por volta das 21h30, Dyegho atira contra si mesmo e comete suicídio. A mulher não resistiu aos ferimentos e morreu pouco antes, dentro do veículo.