A democracia aceita desaforos. Nossa Constituição rege um Estado de Direito que garante liberdade de expressão a quem o conteste sem risco de censura. Isso não significa que admita movimentos subversivos que o ameacem. A única forma de governo que autoriza esgares de autogolpe é a tirania. E foi como pretendente a tirano que o capitão de gravata Jair Bolsonaro compareceu a um ato subversivo exigindo, como vontade popular (populismo de direita), intervenção militar com ele no poder.

Isso ocorreu no Dia do Exército, domingo 19 de abril de 2020, à frente do Quartel-General da dita Força, com sua presença e seu apoio. Ele saiu de uma reunião da troika dirigente da República de Vivendas da Barra – seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos – para participar de um comício propondo rasgar a Constituição. Ela proíbe a censura e também o governo de um só (o chefe do Executivo) com fechamento de Congresso e Supremo, com os quais o outro deve conviver harmoniosamente, cada um no seu cada qual.

Com todo o respeito ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que soltou nota legalista garantindo a sobrevivência do regime constitucional, faltou-lhe destituir o comandante do Exército, general Edson Pujol. Este faz proclamações de prestação de serviço à Pátria pela Força que comanda, mas permitiu proposta ilegal à sua porta (local impróprio) na data que a homenageia – uma afronta a mais.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, fez bem em pedir investigação para punir eventuais delitos de quem planejou, financiou e organizou a mazorca. E também o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que a autorizou. Mas ambos cometeram graves erros funcionais ao imporem sigilo à iniciativa e pouparem o presidente Bolsonaro, que foi ao ato e discursou aderindo. “Estou aqui porque acredito em vocês”, disse, entre acessos de tosse. Seu crime foi omitido pelo procurador e pelo relator do inquérito.

E o chefe do governo não responderá por óbvia infração ao artigo 29 do título IV do Código Penal Brasileiro, como advertiu o desembargador Walter Fanganiello Maierovitch. Por quê?

No dia seguinte, insultando críticos como de hábito, o infrator chamou de “pouco inteligente” (eufemismo incomum em sua linguagem) quem viu intenção de golpe em sua adesão à subversão. Mas ignorante é ele. Na História da insana República há dois casos notórios de autogolpe (ruptura da ordem vigente pelo chefe do poder).

Getúlio Vargas instalou o Estado Novo quando era presidente, em 1937. Jânio Quadros tentou fazê-lo em 1961, ao renunciar para forçar uma crise. Mas foi impedido pelo presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, que aceitou a renúncia, “desejo pessoal e intransferível”. Só o futuro dirá se Jair terá êxito ou não.

22 abr 2020, às 00h00. Atualizado em: 5 jun 2020 às 10h20.
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