Reeleição na Câmara e Senado: A Constituição devorada pela fome de poder

Opinião Direta!

por Paulo Martins
Publicado em 27 nov 2020, às 17h39.

No debate público nacional, as palavras “Brasília” e “responsabilidade”, deveriam ser sinônimas. Porém, no Brasil atual, a fome de poder faz com que elas não caibam no mesmo prato.

Essa fome de poder que acomete o pântano político leva as criaturas a se comportarem conforme determina o seu instinto de sobrevivência, enquanto a tão falada “preservação institucional” fica para as entrevistas ou momentos em que a sobrevivência política está garantida. É cada vez mais evidente.

O Supremo Tribunal Federal é parte desse ecossistema, tanto que, ao invés de se resguardar como uma verdadeira corte constitucional, assumiu um papel proativo e transformou-se em protagonista na luta pela sobrevivência das criaturas do pântano.

No próximo dia 04 o Supremo começa a examinar a constitucionalidade da hipótese de reeleição para o comando da Câmara e do Senado. A CNN noticia que já há uma tendência de formação de maioria para reconhecer a reeleição como constitucional.

Na hipótese na CNN estar certa, será a certeza de uma vitória política das criaturas que ocupam o topo da cadeia alimentar de Brasília, que terão devorado a Constituição Federal, em banquete servido pelo próprio STF, que deveria ser o guardião da vítima.

Não, a afirmação acima não é um exagero deste autor, basta ouvir os gritos da própria Constituição:

Art. 57.  O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de dois de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.
  § 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

Não há nenhuma margem para interpretação diversa. A coitada da Constituição é muito clara em sua vontade. Ela não quer que alguém se utilize do poder para perpetuar-se nele. A perpetuação no poder é antidemocrática. Ponto.

Qualquer interpretação que não reconheça a inconstitucionalidade da reeleição para o comando do Poder Legislativo é invencionice hermenêutica casuística para alimentar os atuais presidentes da Câmara e do Senado, que juntos com os onze capas pretas, dividem o topo da cadeia alimentar de Brasília com o Presidente da República.

É evidente que os comandos dos demais poderes, inclusive nos estados, não ficarão parados ao assistirem a esse banquete em que a Constituição é servida a La carte e devorada com requintes de crueldade. Eles também sentirão fome.

Se essa irresponsabilidade for mesmo cometida e a Constituição for devorada, não haverá mais garantias para servir ao povo, somente as receitas provenientes das mentes dos próprios ministros. Essas receitas podem um dia não saciar nem ao povo -faminto de garantias de liberdade- e nem às criaturas do pântano. Será o fim do ecossistema.

Para a sustentabilidade do ecossistema da democracia, não importa a cor ou o nome das criaturas do pântano, importa que eles não devorem a Constituição. É preciso uma dose de responsabilidade antes do jantar.

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