O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, o astronauta Marcos Pontes, anunciou no setor de pesquisas da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, que o Brasil se prepara para testar rapidamente casos de covid-19 e remédios para curá-la. Isso está para acontecer nos próximos dias, enquanto a vacina pesquisada no Brasil foi prevista para ser testada no ano que vem. Com o desdém com que a pesquisa científica tem sido tratada no Brasil recentemente – em especial durante o governo de que faz parte –, será o feito mais espetacular da História do Brasil. Ou seria?

O astronauta brasileiro, que conheceu o cosmos em passeio numa nave russa, está mais perto do folclore do que das sofisticadíssimas ciências exatas. No momento em que ele fazia o anúncio, o mundo era informado de que as maiores potências científicas – EUA, União Europeia, China e Rússia – estão numa corrida desesperada contra o novo coronavírus, que é tido como muito perigoso, até porque não se deixa conhecer. Nenhum epidemiologista com carreira de respeito se aventura sequer a dar informações básicas sobre o desempenho do microrganismo que abala o mundo e produzirá brevemente uma verdadeira revolução em hábitos e costumes. De certeza só se sabe que, por causa dele, a economia mundial sofrerá um abalo que já está sendo comparado ao craque da Bolsa de Nova York em 1929. Se não for ainda pior.

Se esses medicamentos produzidos em nossos laboratórios ganharem a corrida contra ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina, isso na certa vai produzir um enorme alívio e também uma surpresa fenomenal. E o ministro Pontes ganhará renome mundial pelo simples fato de haver revelado em primeira mão tal perspectiva. Por enquanto, o único elogio que pode ser feito ao astronauta brasileiro é o de que pelo menos ele tem mais juízo do que o chefe que o nomeou para uma pasta na qual pousou de paraquedas.

Na entrevista em que anunciou o inesperado milagre de Santa Dulce dos Pobres, ele defendeu o isolamento social, adotado por governadores e prefeitos brasileiros, que, por isso mesmo, têm sido execrados pelo presidente Jair Bolsonaro, que pôs o País, já em guerra contra a pandemia universal, numa destrutiva, desnecessária e nociva guerra eleitoral, de olho no pleito presidencial marcado para outubro de 2022, ou seja, a dois anos e sete meses do anúncio de seu subordinado. Que pode ser uma notícia excepcional, em todos os sentidos da palavra, ou simplesmente uma barriga cometida por um leigo disputando um lugar ao sol no noticiário, no qual tem merecido lugar secundário, embora ocupe um posto relevante no governo federal neste mundo que venera a ciência e a tecnologia de ponta.

Neste instante, em que o presidente da República assusta a Nação tentando forçar o fim do isolamento social, não deixa de ser meritório que ele tenha tomado a posição correta, apoiada por praticamente todos os governantes do mundo, regidos pela Organização Mundial da Saúde, da ONU. Afinal, o presidente da República, que já tinha atuado como se fosse mais um “homem da cobra” vendendo mezinhas caseiras em feiras livres e praças públicas, como a “pílula do câncer” e a hidroxicloroquina, em combate permanente que todo preguiçoso ignorante trava contra o conhecimento científico, que exige inteligência, paciência e dedicação, figura entre as quatro exceções de um mundo obediente ao “fique em casa” em todas as línguas.

A conceituadíssima revista britânica The Economist já o tinha comparado a três histriões do combate contra a medicina e o conhecimento científico em geral. São eles o presidente da Bielorrússia, República que fazia parte da extinta União Soviética, Aleksander Lukashenko, que recomendou saunas e vodca contra o novo coronavírus; no Turcomenistão, outra ditadura de um herdeiro asiático do georgiano Josef Stalin, o tiranete Gurbanguly Berdymukhamedov, que proibiu o uso do termo coronavírus no país; e o ex-guerrilheiro comunista da Nicarágua, Daniel Ortega, que organiza aglomerações como no fim de semana da Páscoa e, como o primeiro citado, ainda mantém em atividade as ligas esportivas, mas não é visto há mais de um mês. Em texto de opinião assinado por um comitê editorial do Washington Post, jornal que revelou aos EUA e ao mundo os papéis do Pentágono contando bastidores da intervenção dos EUA no Vietnã e o escândalo Watergate, que derrubou o presidente Richard Nixon, escrachou o “mito” dos bolsonaristas sob o título Líderes arriscam vidas minimizando o coronavírus. Bolsonaro é o pior.

Neste país, que enfrenta a covid-19 com mísero estoque de testes e se aproxima do colapso do sistema público de saúde nesta segunda quinzena de abril e em maio, Bolsonaro, que tem como principal bandeira administrativa o rearmamento, torna-se na vida real êmulo de Simão Bacamarte (arma de fogo hoje inexistente), psiquiatra inventado pelo gênio da raça Machado de Assis na novela O Alienista, que solta os presos do manicômio fictício que dirige e nele aprisiona os sãos. Só se for confirmada a notícia que deu, seu astronauta favorito provará que o chefão tem razão.

16 abr 2020, às 00h00. Atualizado em: 5 jun 2020 às 16h00.
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