“Da pessoa que está em casa, isolada, até quem está trabalhando para cuidar dos pacientes, todos nós temos feito a diferença”. É assim que define a médica Ana Karyn Ehrenfried, de 37 anos, que atua na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Fazendinha, em Curitiba, mas que foi além em sua função no enfrentamento ao novo coronavírus. Ana disponibilizou seu número de celular particular para que as pessoas a procurem e não se exponham ao risco de sair na rua para saberem se estão doentes ou não.

Formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e preceptora de cardiologia na Santa Casa, Ana Karyn trabalha com emergência na UPA do Fazendinha e também é plantonista do pronto-socorro do Hospital Cajuru. Poderíamos pensar que carrega consigo ocupações demais para uma pessoa só, mas não para Ana.

“Como trabalho direto nestes locais, temos recebido muitos pacientes relacionados ao coronavírus. A UPA do Fazendinha, nos primeiros dias, virou uma loucura. Aos poucos as pessoas foram entendendo e se conscientizando, mas ainda assim acaba indo muita gente por motivos que não deveriam estar ali”, explicou a médica.

Por ver muita gente se expor ao risco desnecessário de sair de casa por um sintoma que nem sempre pode ser o novo coronavírus, Ana não pensou nela, mas sim nos outros. “Resolvi disponibilizar meu celular, pensando que ali o ambiente da UPA é onde vão os pacientes com suspeita de coronavírus e alguns altamente suspeitos, essas pessoas que vão sem razão estão se expondo e correndo risco. As UPAs e os hospitais se tornaram os piores lugares para se estar nesse momento”.

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Ana trabalha na UPA do Fazendinha, em Curitiba. Foto: Divulgação/SMCS.

Muitas dúvidas, muito medo!

Ana começou a reparar que as pessoas estavam cheias de dúvidas. “Como não me importo em tirar estas dúvidas, tomei essa decisão para evitar que as pessoas saíssem de casa justamente para sanar seus questionamentos numa UPA”, disse ela, que desde quando divulgou seu telefone já atendeu mais de 50 pessoas.

Segundo a médica, a liberação da telemedicina ajudou muito, pois muita gente que a procura tem febre, por exemplo. “Muitas das perguntas são simples, então busco orientar. Quase que 100% dos casos não tinham de fato suspeitas para o coronavírus, teve febre, por exemplo, mas não outros sintomas. Mas penso que, dessa forma, atendo pessoas que não foram às UPAs e não se expuseram aos riscos de sair de casa“, comentou.

A médica, que tem como função principal a cardiologia, disse que acalmou muita gente que estava preocupada. “Neste momento as pessoas estão tão nervosas, que não sabem o que esperar. Ter um médico que fale a respeito traz calma. As pessoas têm sentido muito medo, acho que isso é o que mais toma conta”.

O medo faz com que muita gente não perceba que os sintomas que sentem podem ser apenas de um resfriado, por exemplo. “As pessoas estão assustadas, com isso, às vezes uma simples dor de cabeça se torna algo muito grande. A comunicação feita sobre a doença ajudou a deixar as pessoas em casa, mas também contribuiu para que houvesse pânico, o que é ruim neste momento. A conduta é só manter a calma, em casa”.

A médica destacou uma informação muito importante para o momento: muita gente vai acabar contaminado pela doença, mas não de forma grave. “A grande maioria das pessoas vai pegar casos leves da doença. O coronavírus tem uma alta transmissibilidade, mas não é tão grave. O problema é que ele transmite muito rápido, se você ver isso em termos de proporção, vai trazer infecção para muita gente. O grupo de risco com certeza pode complicar e nós não temos, nem no Brasil e nem no mundo, suporte para todas as pessoas graves. Essa é a grande preocupação, porque não temos estrutura”.

A cardiologista disse que não é todo mundo que vai morrer, mas que a atenção precisa ser mantida. “Uma febre antes não era sinal de gravidade, mas hoje acabou se tornando. Não precisa ter pânico, mas sim atenção. Estou aqui justamente para que essas pessoas tenham alguém para recorrer. Precisou de mim, procure, ligue, mande mensagem. Acho que isso faz diferença para as pessoas, saber que tem alguém que diga ‘calma, tá tudo bem'”.

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Foto: Ilustrativa.

Amor que move

Trabalhando há seis anos como médica, Ana Karyn disse que não vê o que resolveu fazer como um esforço. “Além de amar minha profissão, amo pessoas, sempre amei. Me dispor agora não foi algo diferente do que sempre fiz. Já me dispus a ajudar em outras situações, até minha filha (de seis anos) já participou de minhas ações. Dar meu telefone, para mim, foi algo super natural porque é de mim fazer isso. Quando estou em casa me sinto inútil, sendo que tem tanta coisa para ser feita, assim é uma forma de me dedicar às pessoas até quando estou em casa“.

Por conta da pandemia, Ana também abriu mão de todos os compromissos que tinha para estar disponível por mais tempo na função, tanto para o Hospital Cajuru como para a UPA onde trabalha. “Porque se eu salvar uma vida a mais, já vou estar feliz e realizada. Não sinto cansaço, porque sei que fazer a diferença na vida das pessoas é o que importa pra mim. Amo amar pessoas e amo estar por elas”.

Desde quando começou a discussão do risco da pandemia chegar ao Brasil, a médica disse que viu alguns médicos fugirem dessa “guerra”, mas o número de profissionais dispostos a lutar foi maior e isso é o que vale. “O momento, claro, gera preocupação para a gente, mas ver os outros médicos se unirem como se estivessem numa guerra é o que me motiva. Tenho visto muitos médicos dispondo até forças que nem os cabiam para ajudar mais e mais”.

Nos últimos dias, quando foram feitas homenagens para os profissionais da saúde com aplausos, Ana não ouviu. Ela estava trabalhando. “Mas ver os vídeos me emocionou. A gente nunca espera recompensa, porque a nossa maior recompensa é ver vidas sendo curadas e transformadas, mas ver que as pessoas estão nos vendo emociona. É sim uma grande recompensa“, disse ela, que também já teve ajuda de muitas pessoas desde quando começou o surto do novo coronavírus. “Já me ajudaram doando máscaras, pois os médicos estavam sem. As pessoas estão se mobilizando para ajudar a gente, quer coisa mais linda do que isso?”.

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Fique em casa! Foto: Arquivo Pessoal.

Continue a remar!

Estar nessa “guerra” a favor da saúde das pessoas faz com que a médica perceba o quanto a união das pessoas é importante neste momento. “E isso também inclui gente que não é médico, como o pessoal da limpeza, que faz toda a diferença, tanto quanto nós fazemos. A união de todos tem muito valor nestes momentos e faz muita diferença em nossas vidas“.

As pessoas que estão saudáveis e que fazem parte dos serviços essenciais, conforme a médica, têm que se esforçar e continuar lutando. “Vá trabalhar, porque vocês fazem parte dessa guerra também. Nós vamos vencer isso tudo se formarmos uma rede de pessoas que estão juntas trabalhando e fazendo a diferença. Da pessoa que está em casa, no isolamento, até quem está trabalhando para manter a alimentação das pessoas e quem está nos hospitais cuidando dos pacientes”. O telefone de Ana Karyn Ehrenfried é o (41) 99906-5939, só ligue ou mande mensagem se for realmente importante.

24 mar 2020, às 00h00. Atualizado em: 1 jul 2020 às 14h50.
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