Glue trap: um relato brasileiro sobre a humanidade da Big Apple

Fui ontem assistir à peça da atriz Sueli Rocha. Sueli é amiga dos tempos de início de carreira e é emocionante a ver depois de tantos anos. Não costumo ler o programa antes, espero que o espetáculo me diga algo e eu lhe responda livremente. Mas sabia que o texto falava das lembranças como brasileira em New York por cerca de 30 anos: trabalhos naqueles “serviços para estrangeiros”, sentimentos e outras coisas assim. Sabia também que iria encontrar uma atriz madura e que veria um espetáculo seria bem cuidado: luz do Beto Bruel, música do Carlos Careqa … e tantas outras pessoas boas envolvidas.

Além disso, nesse Dia Mundial do Teatro, teria a sorte de cruzar com amigos em comum,  há muito tempo distantes do distante tempo adolescente do nosso teatro; nós, que pairamos pelos 50 anos e compartilhamos dessa necessidade de rever a vida e o que dá a ela o sentido maior.

O que vi me levou além: um espetáculo simples quase uma crônica, com tocantes relatos de detalhes da humanidade do nova-iorquino, apaixonado por seus direitos e por suas posses. A personagem/pessoa/escritora Sueli relatando/revivendo emoções sentidas não em histórias inteiras, mas em pequeníssimos recortes que, de início engraçados, como o patrão que a manda congelar seus cachorros, mas que vão aos poucos dilatando mesquinharias. Mesquinharias que, talvez, para aqueles habitantes da metrópole e seus patrões, sejam atitudes normais. “Vi” a palavra com bruta força de imagem: impossível não ver Sueli chegando ao apartamento em que trabalhava e se deparar com a velha senhora, delicadamente arrumada para sair, sentada em sua cadeira, mas morta. Impossível não compartilhar com ela a revolta ao descobrir que o patrão havia feito um escândalo por ter sido quebrada uma pecinha de cristal que, na verdade, podia ser encontrado por 20 dólares em qualquer lojinha.  Sueli “desenha” a sensibilidade daquelas pessoas para com detalhes de seu conforto material, contrastando com a absoluta insensibilidade para com os seres humanos que lhes prestam serviço.

O espetáculo tem um final poético e inesperado, quando uma patroa manda Sueli se livrar de um  ratinho pequeno, preso à gosma da ratoeira, porque lhe incomodava o ruído da patinha dele tentando sair da armadilha ; a velha senhora manda-a levar rato e ratoeira consigo para bem longe da casa, e ela, apiedada, ajuda o pequeno filhotinho a sobreviver. E, numa certa vingancinha justiceira, devolve-o à casa, ao lado da mãe rata. E os pequeninos agradecem, lhe dando como presente um pequeno pedacinho de queijo.

Por hoje é isso. Se tem dúvidas e curiosidades sobre Teatro, atuação ao vivo e para câmera, clown, expressão, locução, oratória e bichos semelhantes, falem comigo. Se não souber, indico quem saiba. Me procurem no Facebook!

30 mar 2015, às 00h00.
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