Vida Familiar

por Clarice Ebert
Psicóloga (CRP08/14038) e Terapeuta Familiar

Um efeito tóxico no relacionamento

O vocabulário ofensivo gera um efeito tóxico devastador no relacionamento, e pode destruir um casamento. Quando um casal utiliza vocabulário ofensivo está indo na contramão da construção da intimidade. Ao invés de se encontrarem como pessoas, numa reciprocidade afetiva nutridora da autoestima, os envolvidos acabam se repelindo e se distanciando. Mesmo que sigam juntos, podem experimentar uma interatividade nada prazerosa, onde estar com o outro gera um fardo, muitas vezes insuportável. Nessa dinâmica o casal pode se cansar da caminhada conjunta e corre o risco de uma separação. Lembrando que uma separação nem sempre se efetiva pelo divórcio em cartório, pois é possível que um casal esteja legalmente casado, mas divorciado relacionalmente.

O vocabulário ofensivo recorrente é abusivo

Comumente, o vocabulário ofensivo inclui acusação, desqualificação, culpabilização, comparação e condenação. O vocabulário ofensivo é especialmente tóxico quando vem agregado com as palavras “sempre” ou “nunca”. Elas geram a desesperança do reconhecimento de que se pode mudar, melhorar ou recuperar a si mesmo, o outro e a relação. Expressões como “você sempre é”, “você sempre faz” ou “você nunca é”, “você nunca faz”, carregam afirmações que expressam valorações definitivas, como se fossem diagnósticos fechados. Valorar envolve emitir um juízo de valor sobre o que o outro é, sobre a forma como se expressa e sobre o modo como realiza as coisas. Caso o vocabulário ofensivo for sistematicamente recorrente, pode sinalizar um relacionamento abusivo. Chamar o outro de burro, passivo, feio, horrível, insuficiente, configura um vocabulário tóxico, que alerta para a necessidade de revisão urgente da dinâmica do casal.

Posturas narcísicas

Numa dinâmica ofensiva é muito comum que a escuta esteja mediada por ruídos pessoais, que impedem a compreensão do que o outro expressa de si, e o que solicita na relação. O vocabulário ofensivo é imposto por posturas narcísicas. Aquele que ofende demonstra uma arrogância em se achar mais sabedor do outro do que ele próprio. Nada do que o outro disser para se justificar, ou explicar, vale mais do que a sua arrogante percepção. O casal que vive na reciprocidade dessa dinâmica, inevitavelmente colherá frustrações, decepções e amarguras em sua vida conjunta. Acusar, desqualificar, culpabilizar e comparar são recursos comunicacionais que bloqueiam o diálogo e gradativamente efetivam o desprazer de estar um com o outro.

Desconstruir o vocabulário ofensivo é possível

Não precisa ser dessa forma, pois é possível desconstruir o vocabulário ofensivo. Um casal caminhará melhor se entender que as crises, apesar de serem inevitáveis, podem ser enfrentadas de forma ética, respeitosa e amorosa. Para isso, cada um dos envolvidos deverá refletir sobe a sua própria lista de ofensas, tanto das que recebe do outro, como das que direciona ao outro e promover melhorias e monitoria do que sai da própria boca. Também será necessário que o casal aprenda a interagir dialogicamente. Numa relação ambos podem ter espaço para “ser pessoa”, sem que necessitem gastar tantas energias psíquicas por conta de vocabulário ofensivo. Assim seguirão aprofundando sua intimidade e ambos encontrarão liberdade para contar de si ao outro.

Construção de uma dinâmica assertiva

Ambos os cônjuges, estando envolvidos na construção de uma dinâmica assertiva, diminuirão cada vez mais os receios de que a intimidade será exposta valorativamente com vocabulário ofensivo e solidificarão a segurança do bem estar conjunto. A desconstrução do vocabulário ofensivo é facilitada quando houver abertura de ambos para desenvolverem posturas éticas, amorosas e respeitosas. Dessa forma, diminuirão as ameaças ofensivas e experimentarão as alegrias de estar ao lado de quem se pode ser livre e inteiro.

17 maio 2020, às 00h00. Atualizado em: 30 jun 2020 às 13h30.
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