Desmatamento e aquecimento global colocam sob ameaça natureza, economia e vida na Amazônia

Publicado em 1 out 2021, às 08h13. Atualizado às 08h15.

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – O desmatamento em larga escala da Amazônia, somado ao aquecimento global, pode elevar as temperaturas na região em até 11,5 graus e colocar a vida, a natureza e a economia sob risco extremo, mostrou estudo feito por pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade de São Paulo (USP).

O estudo, publicado nesta sexta-feira na revista científica Nature, usa modelos matemáticos para prever o que pode acontecer em diferentes condições climáticas, levando em consideração apenas o aquecimento global, apenas a savanização da Amazônia ou os ambos.

As simulações mostram que nos parâmetros climáticos atuais, a transformação da Amazônia de floresta tropical úmida para cerrado elevaria a temperatura média mais alta na sombra em até 5 graus.

Um cenário apenas com as mudanças climáticas previstas pelo painel de cientistas da Organização das Nações Unidas, poderia elevar essas temperaturas em 7,5 graus. Já a combinação das duas situações poderia elevar a temperatura média mais alta da região, à sombra, em 11,5 graus.

As temperaturas máximas na região, mostram as simulações, poderiam ficar acima dos 40 graus à sombra em pelo menos 7% dos dias do ano no final deste século, podendo ultrapassar os 46 graus.

Um aumento de temperatura nesse patamar, mostram os pesquisadores, tem efeitos diretos na saúde humana.

“O estresse causado por exposição ao calor excessivo pode ser extremamente perigoso para humanos, incluindo o aumento do risco de condições intoleráveis para trabalhos na sombra e risco intenso de doenças causadas pelo calor”, diz o estudo.

Para além dos risco para a saúde, que diminuiriam a capacidade de trabalho e de sobrevivência de uma população que, em muitos casos, já tem dificuldades para viver, uma mudança nesse nível tem impactos diretos na capacidade econômica da região.

A própria atividade que hoje supostamente se beneficia da destruição das florestas –o desmatamento termina por abrir mais terras para agricultura e pecuária– seria diretamente atingida.

“O regime de chuva colapsa de tal forma que chega a reduzir em 80% o regime de chuvas no centro da Amazônia. E no centro-oeste, que também é diretamente afetado, a redução das chuvas chega a 50%”, disse à Reuters Paulo Nobre, pesquisador do Inpe e um dos autores do estudo. “No calor e o solo seco sem chuva, o efeito de amplificação térmica é enorme.”

A agropecuária brasileira, que hoje garante boa parte do Produto Interno Bruto (PIB) Brasileiro e a balança comercial do país, perderia boa parte da sua efetividade, como já mostrou um outro estudo, esse feito pelo think thank Planet Tracker.

Ao analisar relatórios sobre o clima na Amazônia, a Planet Tracker detectou que o desmatamento já está alterando o regime de chuvas no país, o que impacta diretamente na capacidade brasileira de produzir duas, e em alguns casos até três, safras por ano. E é essa capacidade que levou o Brasil a ser um dos maiores produtores de grãos do mundo.

O modelo criado e analisado por Paulo Nobre e os pesquisadores Beatriz de Oliveira, da Fiocruz, Marcus Bottino, também do Inpe, e Carlos Nobre, da USP, apontam para um cenário para 2100. Isso porque foi usado no modelo matemático os dados de aquecimento global que se espera para aquele ano. Paulo Nobre, no entanto, alerta que a savanização da Amazônia já está acontecendo em diversos pontos. O cenário trágico pode chegar muito mais rápido.

“Savanização acontece porque floresta não tem mais saúde para se manter viva. E a savanização da Amazônia já está ocorrendo. Já foram vistos lobos-guará na Amazônia, que é um animal do cerrado. Eles estavam lá por que se perderam? Claro que não. É porque o ambiente estava propício a eles.”

Paulo Nobre alerta que quem vê a floresta de cima, tomada por grandes árvores verdes, pode pensar que a transformação da Amazônia em cerrado é impossível, mas não é.

“Não temos como medir isso ainda a não ser com indicadores secundários, como a presença do lobo-guará. Mas indicadores prévios disso já estão presentes”, garante.

Em um artigo publicado em 2018 também na revista Nature, os pesquisadores Carlos Nobre e Thomas Lovejoy, apontaram que, com a combinação de mudanças climáticas previstas, o aumento das áreas desmatadas e o uso de fogo para “limpar” os terrenos na região a capacidade de recuperação da floresta diminui cada vez mais.

O “ponto de não-retorno”, em que talvez a Amazônia não consiga mais recuperar a floresta, estaria em algum momento quando o desmatamento chegasse a algo entre 20% e 25% do total da floresta, apontaram os pesquisadores.

Dados do Inpe de 2020 informam que, até agora, cerca de 729 mil km² já foram desmatados no bioma Amazônia –o correspondente a 17% do território original.

Apesar de outros cientistas contestarem essas previsões, vendo uma margem maior para a destruição total da floresta, há um consenso: não só o desmatamento precisa parar, como partes destruídas da floresta precisam ser recuperadas.

“O risco não é mais pequeno, ele é enorme. E essa é uma responsabilidade planetária”, diz Paulo Nobre. “Não é mais defender o fim do desmatamento por uma questão ética, mas por sobrevivência. Não existe vacina contra excesso de temperatura.”

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