Inspirar: 'Depois da vacina eu vi vida', desabafa profissional da UTI Covid após perdas

Publicado em 29 dez 2021, às 15h24.

A fisioterapeuta Leandra Alainz já foi protagonista de matérias do RIC Mais. Em março deste ano, a jovem, que atuava dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no momento mais crítico da pandemia no Brasil, viralizou ao compartilhar textos nas redes sociais sobre a rotina no hospital. Nove meses depois, a gaúcha sorridente volta a escrever, mas desta vez, com palavras de alívio.

Os textos publicados no auge da pandemia eram fortes e carregados de tristeza. Na maioria das vezes, Leandra contava histórias de pacientes que não venceram a doença, como forma de conscientização. Os conteúdos ultrapassaram a marca de 1 milhão de visualizações.

Com o avanço da vacinação e a queda no número de casos e mortes, muitos leitos de UTI foram desativados. Com isso, profissionais que foram contratados em regime de emergência foram demitidos. Leandra não permanece mais no Hospital Centenário, em São Leopoldo (RS). Agora, a fisioterapeuta atua na UTI cardíaca do Hospital Universitário de Canoas.

2021 na UTI

“Se você colocar cinco choros, um atrás do outro, eu vou saber exatamente quem perdeu alguém, porque é um choro desesperador. Um choro que dói na alma e a gente tem que escutar isso todo dia”, é um relato de Leandra do dia 17 de março. Nesta data, o Brasil registrou 2.736 mortes por Covid-19 e o mês se tornou o mais letal desde o início da pandemia para a região sul.

Leandra estava na linha de frente no atendimento de pacientes com a doença. A fisioterapeuta convivia com a perda todos os dias. “Teve plantões que chegamos a perder cinco pessoas em uma única noite”, relembra.

Foto: Thales Renato/ Reprodução/ Prefeitura de São Leopoldo

Durante o período mais crítico da pandemia, a fisioterapeuta aproveitou os curtos intervalos entre as jornadas de trabalho para desabafar nas redes sociais e alertar sobre os riscos da doença. Leandra contou a morte de pessoas jovens, sem comorbidades, de pacientes com prognóstico bom, de grávidas e de pessoas que sonhavam em vencer o vírus.    

“Quando temos contato com paciente na hora da morte, nós viramos humanos, nós saímos do automático. Quando alguém está morrendo, ninguém está preocupado em quantas horas vamos fazer […]. A gente está preocupado se ele está com frio, se ele precisa de alguma coisa, se o lado que ele está deitado é confortável”,

escreveu Leandra na época.

Apesar dos dramas vividos nos leitos da UTI Covid, com o avanço da vacinação os números da doença reduziram no país. Hospitais de campanha foram desativados, leitos foram esvaziados e o sofrimento, que parecia não ter fim, deu um alívio de esperança. Agora, os hospitais possuem mais insumos e oferecem aos pacientes um conforto maior, “se chega alguém com suspeita já é isolado e testado”.

“Isso era uma coisa que antes não existia, antes não tinha nem teste para todos que precisavam, quiçá para casos suspeitos”,

relembra a fisioterapeuta.

Sobre o período de transição, com a redução de leitos no hospital, Leandra destaca que a Covid ainda está presente na rotina, porém, já é possível ver uma esperança.

“A transição foi muito conturbada, houve redução dos leitos exclusivos. A equipe toda foi remanejada. A gente ainda não sabe como será a incidência do Covid neste final de ano. Tem a Ômicron, que está causando mais casos. Mas conseguimos manter as UTIs limpas, que antes eram quase todas Covid”,

comentou Leandra.

Leandra também reforçou que o cenário mudou completamente. “Hoje meus olhos frequentemente se deparam com pacientes de 80 anos saindo do hospital caminhando pós-Covid. Se você me dissesse isso no auge da pandemia, eu não acreditaria em você”, conta.

“A Covid está aí ainda, as pessoas estão morrendo, mas em uma velocidade muito menor”,

finalizou.
Leandra Alainz, 24 anos, nossa inspiração de 2021 | Foto: Arquivo pessoal

Esperança

Como inspiração para 2022, a fisioterapeuta escreveu um texto exclusivo para o RIC Mais no dia 25 de dezembro. Desta vez com mais esperança, a jovem relembrou as perdas de 2021 e destacou a importância da vacinação. Veja:

“Hoje é Natal e eu não estou de plantão. Nesses últimos meses tem sido assim, pouco a pouco, passinho por passinho as coisas vão tomando cada qual seu lugar. Lembro-me claramente da falta de esperança que tínhamos no auge da pandemia. Todo e qualquer esforço que fazíamos era impossível. Perdemos muita gente. Gente da gente, que trabalhava do nosso lado, que compartilhava os mesmos gostos, tínhamos o mesmo sobrenome, gente que apertava o pé no mesmo lugar. Perdermos essas pessoas e nada do que dissermos poderá ser ameno, a perda nunca é amena, mas a vida também não é. 

Depois da vacina eu vi vida! Eu vi nossos olhos calejados de tragédias se recuperarem e terem esperança no melhor. Depois da vacina eu vi recomeços, gente que torcíamos bravamente para aguentar mais um pouquinho ‘aguenta seu fulano, tem vida ali pertinho’. Depois da vacina, meus olhos nunca mais viram famílias inteiras mortas pela COVID. 

Hoje meus olhos frequentemente se deparam com pacientes de 80 anos saindo do hospital caminhando pós COVID. Se você me dissesse isso no auge da pandemia, eu não acreditaria em você.

Naquela época era tão difícil que às vezes até me surpreendo como nosso corpo aguentou tamanho estresse. Lembro-me de perder 5 pacientes em uma só noite. Hoje temos marcas, nenhum paciente com sintomas gripais são tratados do mesmo jeito, nenhum teste é demais para fechar diagnóstico. Hoje não faltam testes! Como pode um dia faltar? Como pode morrer 4 mil pessoas no Brasil por dia pela Covid?

Hoje paciente com Covid recebe visita de familiar em estágio da doença grave, as pessoas podem se despedir. Tempos sombrios aqueles que passamos. 

Mas hoje é Natal e eu não estou de plantão, mas o grupo no whats do hospital toca e eu sempre olho. Meus olhos não veem mais escuridão mas nos certificamos em deixarmos as luzes acesas. 

Sigam se protegendo e seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde. Hoje o seu presente pode ter sido maior pela vacina. 

Deus abençoe todos vocês.”

Leandra Alainz
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Leandra atende paciente no hospital no Rio Grande do Sul | Foto: Arquivo pessoal

A série

A série de matérias “Inspirar”, preparada pelo RIC Mais, conta com três personagens que buscaram um 2021 com mais amor. Os protagonistas são de áreas profissionais diferentes, mas que compartilham do mesmo objetivo: ajudar o próximo.

Conheça nossas inspirações:

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