Bolsonaro descumpre promessa, não apresenta provas de fraude eleitoral e volta a atacar Barroso

Publicado em 29 jul 2021, às 21h58. Atualizado às 22h00.

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) – O presidente Jair Bolsonaro não apresentou provas, como havia prometido para esta quinta-feira, para embasar suas denúncias de fraudes eleitorais, mostrando apenas vídeos antigos divulgados na internet com eleitores reclamando de supostos problemas na hora de votar e um vídeo de um youtuber sobre suposta manipulação da urna eletrônica, que já foi negada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Depois de convocar a imprensa e chamar a população para acompanhar sua transmissão semanal ao vivo pelas redes sociais com a promessa de apresentar uma “bomba” sobre as supostas provas de fraudes nas eleições, o próprio Bolsonaro reconheceu na live que não é possível provar se eleições foram fraudadas ou não, e disse que seriam apresentados somente indícios.

“Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas, são indícios. Crime se desvenda como vários indícios”, disse o presidente na transmissão, que levou mais de duas horas.

Bolsonaro chamou o assessor da Casa Civil Eduardo Gomes, que foi apresentado como analista de inteligência, para fazer uma explanação sobre as supostas fraudes e irregularidades no sistema de votação das urnas eletrônicas, mas apenas publicações antigas da internet foram exibidas.

Os indícios apresentados foram vídeos que já circulam na internet desde as eleições de 2018 em que eleitores afirmam terem tido problemas para votar em seus candidatos, além de um vídeo de um youtuber sobre o código-fonte da urna eletrônica, que, no entanto, já foi rebatido pelo TSE como falso.

ÔNUS DA PROVA

Com críticas à atuação do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, que é contrário à mudança do atual sistema de votação, Bolsonaro preferiu inverter o ônus da prova em relação às supostas fraudes.

“Os que me acusam de não apresentar provas, eu rebato, me apresentem provas de que não é fraudado”, disse.

“Por que a ferocidade do presidente do TSE em não querer discutir, falar sobre uma contagem pública de votos?”, afirmou. “Onde quer chegar esse homem que preside o TSE? Quer a inquietação do povo, que movimentos surjam no futuro que não condizem com a democracia?”

Bolsonaro insinuou que haveria interesse de Barroso e outras autoridades do Judiciário por terem tirado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão e o tornado elegível para o petista vencer a disputa em 2022 com o voto em urnas eletrônicas.

“Não podemos aceitar na mão grande, no poder da força de alguns, alguém assumir o timão deste país e levá-lo para o caos como assistimos aqui na nossa querida América do Sul”, afirmou.

Bolsonaro alega fraudes nas eleições desde março de 2020, quando prometeu mostrar provas de que teria vencido as eleições de 2018 no primeiro turno.

Nas últimas semanas, com a popularidade em queda e com pesquisas mostrando que pode perder a reeleição, ele tem defendido fortemente que seja aprovada a adoção do voto impresso com o objetivo de, segundo ele, garantir que as eleições de 2022 não sejam fraudadas.

O presidente chegou a dizer que poderia não haver eleições no ano que vem pelo atual sistema, mas recuou após forte reação do Congresso e do Judiciário, e agora afirma que vai haver a votação, mas que precisa ser justa e limpa.

Na semana passada, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, negou relatos de que teria feito chegar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ameaças de que não haveria eleição no ano que vem sem a aprovação da proposta de voto impresso, que atualmente tramita na Casa, após reportagem do jornal O Estado de S. Paulo relatar que o ministro teria feito chegar o recado a Lira por meio de interlocutores.

Na live, Bolsonaro defendeu que os militares possam discutir o sistema de votação por se tratar, em sua ótica, de uma questão de soberania nacional.

RESPOSTA DO TSE

Ainda durante a live do presidente, o TSE divulgou uma extensa lista de informações em que rebateu, ponto a ponto, as alegações apresentadas por Bolsonaro questionando a integridade do sistema eleitoral.

Autoridades da Justiça Eleitoral e especialistas dizem não ser necessária uma mudança na urna eletrônica diante da confiabilidade do sistema brasileiro, que adota urnas eletrônicas há mais de 20 anos. O próprio Bolsonaro, alegam, tem sido eleito sucessivamente para cargos –deputado federal e presidente– por meio do voto em urna eletrônica.

A apuração dos votos das urnas eletrônicas pela Justiça Eleitoral é acompanhada presencialmente por representantes dos partidos envolvidos, além de outras autoridades como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A contabilidade também pode ser acompanhada por quaisquer cidadãos por meio dos sistemas de auditoria dos votos.

O TSE também contesta a fala do presidente de que o sistema apresentaria a mesma tecnologia desde a sua criação, em 1996. Apesar do visual ser parecido com o da época, o tribunal disse que o software evoluiu significativamente desde então, ficando cada vez mais seguro.

A Justiça Eleitoral argumenta que as urnas, ao contrário do que alega o presidente, são sim auditáveis durante todo o processo. O sistema também não é hackeável, uma vez que em nenhum momento do processo de votação ele fica ligado a uma rede de computadores.

Alvo de constantes ataques de Bolsonaro, o presidente do TSE tem destacado a transparência do atual sistema e chamado de política a fala de quem diz haver fraude nas urnas eletrônicas. Barroso, que conversou com lideranças do Congresso, tem alertado para problemas com uma eventual mudança.

Mais cedo nesta quinta, sem citar nominalmente Bolsonaro, Barroso destacou que uma mentira deliberada tem dono e deve ser denunciada.

“A democracia é o regime em que há muitas verdades possíveis, mas a mentira deliberada tem dono e é assim que precisa ser adequadamente denunciada”, afirmou, durante evento de inauguração de uma sede na Justiça Eleitoral do Acre.

Na live, Bolsonaro também disse que iria encaminhar ao ministro da Justiça, Anderson Torres, informações sobre supostas irregularidades em urnas nas eleições de 2016 e 2018 para serem investigadas pela Polícia Federal.

Torres, que apareceu na transmissão posteriormente, também fez um breve relato de observações que seriam de peritos da PF sobre o atual sistema de votação. Em uma delas, há a sugestão de se adotar o voto impresso.

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