A Justiça Federal suspendeu parte de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que permitia que gestantes fossem submetidas a intervenções médicas contra a vontade delas, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. A decisão foi proferida na terça-feira, 17, e atende a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Ainda cabe recurso.
A resolução foi publicada em setembro e estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. O artigo 5.º da norma foi o que criou polêmica e levou o MPF a entrar na Justiça. No trecho, o CFM determina que a recusa do paciente a um tratamento ou intervenção pode não ser aceita pelo médico “quando caracterizar abuso de direito” e destaca que, no caso de gestante, essa análise deve ser feita “na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”. Na prática, o médico estaria autorizado a realizar intervenções contrárias à vontade da mulher sob o argumento de benefício ao feto.
Para o MPF, esse e outros trechos da resolução, quando aplicados à gestante, “trazem sérios riscos, visto que permitem a adoção de procedimentos médicos coercitivos ou não consentidos, caracterizadores de violação dos direitos fundamentais das mulheres”. Os procuradores destacaram que a norma pode favorecer procedimentos desnecessários no parto, como a episiotomia (corte entre a vagina e o ânus feito para facilitar a passagem do bebê) e a administração do soro de ocitocina (usado para induzir e acelerar o trabalho de parto).
Liberdade de escolha
A tese foi aceita pelo juiz federal Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, que, em sua decisão, destacou que a regra do CFM, “mesmo que indiretamente, resulta na ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao parto”. Ele decidiu suspender o trecho do artigo 5.º que previa que a vontade da mãe poderia ser caracterizada como abuso de direito sobre o feto. A decisão também suspendeu parcialmente outros dois artigos da resolução: o 6.º e o 10.º.
O juiz determinou ainda que a decisão tenha ampla divulgação à classe médica, incluindo publicação no site do CFM e dos conselhos regionais, sob pena de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento.
Reações
Procurado pelo Estado, o CFM disse que, até a noite de quarta-feira, 18, não havia sido notificado, mas que irá recorrer “apresentando os argumentos que justificam a criação da norma”.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não comentou a decisão, mas já havia se posicionado favorável à regra em setembro, quando a norma foi publicada. Na ocasião, a entidade afirmou que a norma “poderia auxiliar” os médicos da especialidade e fez recomendações aos seus associados com base nos artigos da resolução.
“Recomendamos aos colegas associados que, durante o atendimento obstétrico à parturientes, procure aplicar as melhores práticas obstétricas, respeitando os princípios da autonomia do paciente, mas não se esquecendo dos princípios da não maleficência e da proporcionalidade, que nos resguardam o direito de executar o que é recomendado cientificamente para o binômio mãe-feto”, dizia nota da entidade.
Para Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em bioética, a norma do CFM é inconstitucional. A resolução, segundo ela, fere princípios fundamentais, como o direito à saúde e à dignidade humana. “A resolução mostra a intencionalidade moral de abuso de poder de um órgão normativo de classe como um órgão definidor de legislação impondo barreiras e restrições no campo das decisões reprodutivas das mulheres.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.