A família do cansaço aporta na estação natalina

Publicado em 20 dez 2019, às 00h00.

A reunião natalina da família do cansaço

A família do cansaço reflete as nuances da sociedade do cansaço. Seria uma sociedade exaurida por constantes exigências de sucesso, tanto no trabalho como no amor, na saúde como na estética, no desempenho como nas meditações, no sexo como na cozinha, na carteira como na geladeira. Diante de tantas demandas, o cansaço é apenas sintoma de uma sociedade do desempenho, nutrida pela ideologia do sucesso, que fomenta um ativismo alienante e desemboca em um cansaço cada vez mais difícil de suportar, exaurindo as energias físicas, psíquicas, espirituais e relacionais.

A Estação Natalina

Na estação natalina as exigências de desempenho reverberam também no ambiente familiar. A casa deve ser pintada ou lavada. A decoração precisa ser exuberante ou mesmo extravagante. Os presentes devem promover a surpresa e a alegria da festa. E as comidas e bebidas? Devem ser variadas e abundantes! Dessa forma, surgem na família os neuróticos por faxina, os exóticos decoradores, os compulsivos gastadores, e os mais brilhantes chefs de cozinha (ou os que pensam que são). E em meio a muitos afazeres não faltam os folgados que só se aproveitam do que é feito pelos outros, que experimentam o cansaço pelo aborrecimento, numa sensação de fastio em meio à abastança proposta.

A Família do Cansaço

Cansada a família aporta na estação natalina! Com trabalho exaustivo e sono restrito busca-se garantir o alcance das expectativas do que seria uma família bem sucedida reunida em torno de um Peru assado no natal. Sim, o Peru e todos os seus adereços natalinos podem até estar lá, mas nem sempre se mostram alinhados com um ambiente familiar harmonioso. Especialmente porque o cansaço extremo sequestra a alegria e implementa desmedidas irritações. As energias exauridas podem robotizar o melhor dos cristãos. E membros familiares robotizados podem provocar desatinos familiares desestruturantes. Uma família do cansaço pode não ter energias para se relacionar e o pouco que resta pode ser insuficiente para lidar com as atualizações dos desconfortos familiares vividos ao longo do ano. Portanto, desacelerar é necessário para desestressar a família. Isso envolve humanizar os relacionamentos familiares, de forma que se promova em reciprocidade a solidariedade, o acolhimento, o perdão, a aceitação e o amor. Talvez se tenha presentes menores, menos coisas e menos sabores à mesa, mas, um maior sentido de comunhão.

O Simbólico Peru Assado no Natal

Sentar-se à mesa posta, ter a família reunida pode fornecer uma linda foto para as redes sociais. No entanto, para muito além disso, representa o sentido de pertencimento. Muitos valores familiares fragilizados querem impor que reunião familiar é coisa do passado, que o que vale é estar em um lugar qualquer, onde as relações que interessam são aquelas que promovem a auto felicidade. De acordo com essa ótica, descarta-se as relações que não favorecerem a auto felicidade, seja com os pais, irmãos, cônjuge, filhos, netos, avós ou amigos. O simbólico Peru assado no natal pode contribuir para a reconstrução do valor do encontro e do pertencimento. Claro, o assado destacado aqui é apenas simbólico, podendo ser qualquer assado, mesmo que seja uma abobrinha. E isso vale para outros encontros, não apenas no natal.

O QUE IMPORTA NÃO É TANTO O CARDÁPIO SOBRE A MESA POSTA DIANTE DOS OLHOS, MAS SIM, O CARDÁPIO AFETIVO SERVIDO PELA MESA DA ALMA!