Após forte reação, Bolsonaro recua sobre privatização do SUS

Publicado em 28 out 2020, às 18h42. Atualizado às 19h06.

Por Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) – Após forte reação de parlamentares e secretários estaduais e municipais de Saúde, o presidente Jair Bolsonaro recuou e anunciou a revogação de decreto que permitia estudos sobre parcerias com o setor privado em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do SUS.

“Temos atualmente mais de 4.000 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 168 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) inacabadas. Faltam recursos financeiros para conclusão das obras, aquisição de equipamentos e contratação de pessoal”, disse o presidente em publicação em suas redes sociais.

“O espírito do decreto 10.530, já revogado, visava o término dessas obras, bem como permitir aos usuários buscar a rede privada com despesas pagas pela União”, argumentou.

O presidente acrescentou ainda que “em havendo entendimento futuro dos benefícios propostos pelo decreto o mesmo poderá ser reeditado”.

A Secretaria-Geral confirmou que seria publicado um Diário Oficial extra com a revogação do decreto.

O decreto foi encarado como uma brecha para a privatização do Sistema Único de Saúde, justamente em um momento de fragilidade sanitária diante da epidemia do novo coronavírus.

Bancadas e líderes de grupos partidários anunciaram ao longo do dia projetos de decretos legislativos com o objetivo de sustar a medida de Bolsonaro. PSOL, PCdoB e a Minoria na Câmara, além do Cidadania, haviam anunciado medidas neste sentido.

“O que o governo quer de fato é privatizar todo o sistema de saúde público brasileiro, pois as UBSs são as portas de entrada do SUS. Trata-se de uma medida que seria impensável num momento de pandemia, onde o SUS se demonstrou vital para cuidar da saúde dos brasileiros”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que assina um dos projetos de decreto legislativo, ao lado de outros parlamentares do partido, para sustar os efeitos do decreto.

Autor de outro PDL com o mesmo objetivo, o líder da Minoria, José Guimarães (PT-CE), considerou o decreto um “retrocesso”, na intenção de “vender patrimônios do povo brasileiro, acabar com políticas públicas, além de desrespeitar a autonomia dos municípios que cuidam das Unidades de Saúde e de seus profissionais”.

O vice-presidente do Cidadania, deputado Rubens Bueno (PR), também protocolou projeto pra derrubar o decreto por considerar que abre as portas para a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Temos aí uma abertura perigosa. Primeiro se tira do Ministério da Saúde e se joga para o Ministério da Economia o planejamento sobre o atendimento básico de saúde no país. Depois se abre um corredor para que o setor privado, em parceria com o Estado, sugue dinheiro público para construir unidades básicas de saúde, coisa que, a pandemia atual já mostrou, é trampolim para o desvio de dinheiro público e corrupção escancarada”, afirmou.

DÚVIDAS

A edição do decreto não repercutiu apenas no Legislativo e mobilizou o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), reunidos nesta quarta-feira para tratar do assunto.

Em nota, o Conass afirmou que a revogação do decreto é urgente e que ele “deixa sérias dúvidas quanto a seus reais propósitos”. O Conselho argumenta que o texto, editado sem debate, não leva em conta determinação legal segundo a qual decisões relativas à gestão do SUS precisam ser tomadas mediante consenso entre os níveis federal, estadual e municipal, sob pena de nulidade.

“Assim, o Conass manifesta sua integral convicção de que a APS (Atenção Primária à Saúde) necessita ser preservada em sua forma de atuar, sob gestão pública e isenta de quaisquer atrelamentos às lógicas de mercado, que não cabem, absolutamente neste caso. O decreto apresentado não trata de um modelo de governança, mas é uma imposição de um modelo de negócio”, segue a nota.

Também por meio de nota, o Ministério da Economia havia sustentado que a decisão de incluir as UBSs no PPI foi tomada após o pedido do Ministério da Saúde.

“A avaliação conjunta é que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e redes integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento”, diz a nota pasta da Economia.

A secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, por sua vez, negou que o decreto busque privatizar o SUS. “Não faz sentido falar em privatização do SUS”, disse ela à Reuters. [nL1N2HJ2AN]

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