Após perder a esposa por complicações no parto, pai cria sozinho filho com paralisia

por Caroline Maltaca
com a supervisão de Rodrigo Sigmura
Publicado em 7 ago 2021, às 13h49. Atualizado às 19h39.

P.a.i. Uma palavra com tão poucas letras, mas com diversas explicações. Enquanto para uns o significado da expressão se resume a um laço de sangue ou simples atitudes, para José Eduardo Fernandes da Silva, de 41 anos, ser pai é “ser tudo”. Desde as piores falhas até os melhores acertos, para ele, ser pai é lutar junto, independente de qual seja a batalha. E a história do ex-analista de logística com seu filho, Felipe, tem grandes desafios.

Em 2011, quando sua primeira esposa, Raquel Oliveira da Silva, estava no sétimo mês da gravidez, ela passou a sentir muitas dores. Mesmo relatando aos médicos sobre a situação, os profissionais que acompanhavam a primeira gestação dela afirmavam que tudo corria normalmente – mesmo sem terem feito exames aprofundados. 

Quando Raquel chegou ao oitavo mês, em agosto, as dores tornaram-se cada vez mais intensas. Novamente, ao procurar o hospital responsável pelo pré-natal, localizado em Curitiba (PR), o casal foi informado que deveria voltar para casa e, no caso de uma piora, precisaria procurar outra maternidade

Um dia, ao chegar em casa após o trabalho, José se deparou com sua esposa perdendo muito sangue. Seguindo a recomendação do hospital, o paulista a levou a outra maternidade conceituada de Curitiba. No entanto, nesse momento, uma série de erros transformou a vida dele.

“Fomos até outra maternidade, como recomendado e lá começou um festival de erros”,

disse o ex-analista.

Segundo o homem, naquela noite, havia muitas mães para dar à luz, o que resultou em um tempo de espera muito grande. Raquel não estava bem, ainda perdia muito sangue e, quanto mais demoravam para atendê-la, mais preocupado ele ficava. Nervoso por não saber o que fazer, José se lembra de até ter chutado o balcão. 

Após finalmente ser atendida, Raquel foi levada para uma sala de pré-parto para inibir o nascimento de Felipe, que ainda estava de oito meses. 

“Deixaram ela durante 18 horas naquela sala. Foi ali que o Felipe teve o sofrimento fetal e ficou sem oxigênio, e agravou uma infecção generalizada na Raquel”, conta o pai.

Quando a equipe médica notou que as coisas não estavam indo como o esperado, decidiram levá-la a uma sala de cirurgia para fazer um parto às pressas. 

“Quando entrei na sala de cirurgia, a Raquel estava amarela e vomitando sangue, muito mal, e o médico dizendo que estava tudo bem. Quando o Felipe foi retirado dela, ele estava roxo, quase preto, com cordão umbilical no pescoço. Ou seja, ele estava num estado gravíssimo”.

Felipe nasceu no dia 10 de agosto de 2015. (Foto: Arquivo Pessoal)

‘Dividiram meu coração ao meio’

Segundo José, após o parto, Raquel foi levada a um quarto, e Felipe à UTI – ambos não estavam bem. Como sua primeira esposa ficou dois dias sem apresentar melhora, o hospital decidiu transferi-la. Felipe também precisou ser transferido para um hospital especializado.

“Colocaram cada um em uma ambulância. Foi aí que dividiram meu coração ao meio”.

Sozinho, José Eduardo acompanhou sua ex-esposa. Antes de deixá-la para ver como Felipe estava, eles deram apenas dois abraços e não disseram nada.

“Eu acredito que ela sabia que ia morrer”.

Depois de três dias tentando reagir, Raquel faleceu, aos 29 anos. 

‘Ele é perfeito’

Felipe ficou 35 dias na UTI lutando pela vida. Os médicos, segundo José, disseram que lutariam por ele, entretanto, sabiam que a criança teria sequelas gravíssimas.

“Eu falei ‘não tem problema, eu quero ele de qualquer jeito. Tudo que eu quero é meu filho’, porque eu já tinha perdido muito. Então, se eu perdesse ele, não sei o que seria de mim. Pra mim, ele era tudo e até hoje ele é”, 

contou José Eduardo.

Durante todo o internamento, o pai não saía de perto do bebê, que teve paralisia cerebral. Por isso, precisou se afastar do trabalho por três meses para cuidar do menino. Quando Felipe recebeu alta, a preocupação e o carinho só aumentaram

(Foto: Arquivo Pessoal)

“Não conseguia ficar longe, alguns amigos me ajudaram para tomar um fôlego, mas fiquei meio neurótico. Tinha medo de muita coisa, tinha medo de não saber cuidar”.

Muitas pessoas tentaram ajudá-lo a cuidar de Felipe. Na rua, outras mães e mulheres o olhavam, porém, com o tempo, o ex-analista passou a não se importar com o que considerou julgamentos e a cuidar do seu filho com todo o amor que ambos mereciam.

“Até hoje me pergunto como consegui, porque antes do Felipe eu era outra pessoa. Não tinha prática nenhuma com bebê e, de repente, eu ganho um filho, sozinho. O que passava pela minha cabeça era fazer tudo aquilo que eu achava que a mãe dele fosse fazer. Houve pessoas da família que disseram ‘ah, deixa ele comigo’, mas eu falava ‘não, eu não deixo com ninguém’. Passei noites em que ele chorava, e eu também”,

contou, emocionado.

Propósito

Por cinco anos, José cuidou do menino sozinho. Como ele precisa de cuidados especiais, o ex-analista teve de contratar babás e cuidadoras. Somando com os gastos com medicamentos, fisioterapia, itens de acessibilidade, entre outras necessidades, o dinheiro não era mais suficiente. Diante disso, José resolveu começar a rifar alguns prêmios, como: bicicleta, televisão, perfume, entre outros pertences que ajudaram a complementar a renda e aumentar a qualidade de vida do filho

(Foto: Arquivo Pessoal)

Em março de 2020, José comprou uma Kombi, ano 1985. O objetivo era passear com Felipe. Segundo o pai, como o carro que tinham antes era muito pequeno, o novo veículo traria mais acessibilidade. Entretanto, no primeiro dia em que estava andando com ela, um homem furou a preferencial e bateu na Kombi. O veículo ficou muito destruído.

Como quem havia causado o acidente estava com o carro de uma empresa, ela resolveu restaurá-la. Porém, com a demora, o pai decidiu: “Já faço rifa de tantas coisas, por que não rifar a Kombi também?”

A partir do apoio da imprensa, mais de mil números foram vendidos. Com o dinheiro arrecadado, o ex-analista percebeu que as rifas poderiam ajudar Felipe, além de outras crianças e jovens. No início deste ano, a iniciativa se tornou uma ONG chamada “Rifas do Bem”, na qual José se dedica 100% nos dias de hoje.

(Foto: Divulgação)

Amor e superação

O dia dos pais deste ano será de muitas comemorações na casa de Felipe, José e sua nova esposa. Isso porque, recentemente, os três venceram a Covid-19. O homem ficou 23 dias internado devido às complicações da doença. Com lágrimas nos olhos, o ex-analista conta que nunca havia ficado tanto tempo afastado do filho.

“O Felipe foi muito forte, ele foi um guerreiro”.

A atual esposa de José, que afirma ter um carinho profundo pelo menino, precisou cuidar dele nesse período. Foram dias difíceis, mas de muita união, segundo eles.

“Ela ama o Felipe. Não poderia ser melhor”, conta o ex-analista.

(Foto: Arquivo Pessoal)

Outro motivo de comemoração neste Dia dos Pais é o aniversário de Felipe. O garoto completará 10 anos na próxima terça-feira (10). 

“Para quem escutou que talvez ele nem sobrevivesse, a gente vai completar 10 anos. Então é especial, um ano para comemorar”, diz o pai.

Exemplo que não teve

José, quando criança, não teve uma referência paterna. Durante sua infância e adolescência, o paulista se criou com a mãe. Hoje, mesmo tendo estreitado as relações com seu pai, o ex-analista nutre grande admiração por aquela que o criou.

“Quando o Felipe estava na UTI, principalmente nos primeiros dias, me veio à cabeça a minha história. Minha mãe me criou sozinha. Meu pai se separou dela antes de eu nascer, então a minha mãe foi pai também. Ela foi uma inspiração muito grande pra mim. Ela foi muito guerreira. Então isso me veio à cabeça. Eu pensei ‘poxa, o Felipe perdeu a mãe, vai ficar sem o pai? De jeito nenhum”,

afirmou.

Ao ser perguntado sobre o que ele diria a outros pais que passam pela mesma situação e, que por muitas vezes não têm forças para se manter ao lado de seus filhos, ou a aqueles que por muito menos os abandonam, José lembra que as crianças não têm culpa.

(Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu me perguntava muito: por quê? Por que isso aconteceu? Por que comigo? Por que se eu sempre andei no caminho certo? Eu só queria o básico, ter meu trabalho, meu filho… mas depois, com o tempo, fui vendo que ficar se perguntando só me machucava e parei de fazer essa pergunta. Eles só tem amor, não tem culpa de nada”.

Sobre Raquel, José mantêm sua lembrança viva:

“Era uma pessoa fantástica e ele tem muito dela. A gente olha para ele e vê que lembra muito. Só tenho lembranças boas. Na verdade, ela teve passagem rápida na minha vida, mas necessária: era para trazer o Felipe. Eu acho que nasci para ser pai dele. Talvez não saberia ser pai de uma criança comum. Eu acho que o destino era esse e meu propósito de vida é cuidar dele e, quem sabe, de outras crianças”,

finalizou.