Dois meses após a promulgação da lei de segurança nacional, Hong Kong perdeu a batalha contra a China, diz o diplomata Fausto Godoy, que serviu em 16 países asiáticos – incluindo China e Taiwan – e hoje coordena o Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos na ESPM. Para o Ocidente, a lei é um ataque à autonomia de Hong Kong, ex-colônia britânica. Para os chineses, é a apropriação de um território que já foi seu e deveria voltar a ser.
Qual o futuro de Hong Kong diante dos avanços da China?
O que é Hong Kong? É uma China com verniz ocidental. Se tirarmos a parte mais impressionante, é uma cidade chinesa que, durante algum tempo, de 1842 a 1997, foi inglesa. Com a chegada do comunismo em Pequim, em 1949, muitos chineses do sul que tinham algum dinheiro partiram para Hong Kong. Como era da Inglaterra – e portanto outro país -, se estabeleceram ali e tentaram preservar esse sistema. Hong Kong consolidou-se como um dos principais centros comerciais e de turismo de negócios da Ásia. Criou-se, desde então, essa antipatia de Hong Kong com relação ao continente.
Historicamente, como foi a disputa da China continental com Hong Kong?
Como parte das reformas econômicas e da política de abertura para o mundo, a China criou, entre 1980 e 1984, as zonas econômicas especiais, a maioria no sul. Elas impulsionaram o acesso das empresas transnacionais ao mercado chinês ao oferecerem benefícios para os investidores estrangeiros através de incentivos fiscais e impostos reduzidos. A maioria ficou localizada propositalmente no delta do Rio das Pérolas, região lindeira a Hong Kong e Macau. Pequim nunca quis ficar refém das duas e instalou em Shenzen, a 27 km de distância de Hong Kong, importantes empresas, sobretudo na área de pesquisa avançada. Como resultado, a cidade é hoje um importante centro global de tecnologia, apelidada de “Vale do Silício da China”. O objetivo era esvaziar essas duas localidades – os ingleses de Hong Kong e os portugueses de Macau.
Na visão chinesa, o que significa avançar sobre Hong Kong?
A China não se vê apenas como um país, mas como uma civilização. É uma civilização que engloba Taiwan e Hong Kong. A China vê Hong Kong como parte dela, mas eles acham que não são parte da China. A ideia de um país e dois sistemas, elaborada na lei básica de Hong Kong, em 1997, tem validade até 2047. É aí que se inserem os protestos da população e a reação obstinada de Pequim. A verdade é que Hong Kong perdeu a batalha contra a China. São 7,5 milhões de habitantes diante de 1,3 bilhão de chineses.
De que maneira o senhor vê a disputa entre Estados Unidos e China no plano internacional?
A China é a grande potência geoeconômica do século 21. O país foi aos poucos sofisticando mais sua economia, investe em tecnologias de ponta, robótica, tecnologia 5G, e quer ter a grande hegemonia mundial até o fim deste século. Hoje, ela vai a caminho disso. O país criou uma classe média brutal e eles estão encantados com essa restituição de poder do país. É uma China assertiva e ambiciosa e o Ocidente não sabe lidar com isso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.