A influência da estrutura familiar no "ficar em casa"
A estrutura familiar no “ficar em casa”
A pandemia forçou as pessoas a ficarem em casa e a terem uma convivência maior com seus familiares, o que tem contribuído para aproximações, mas também desgastes nas relações. Muitos não conseguem se adaptar à demanda de “ficar em casa” com a família e acabam até mesmo “furando” o distanciamento social nesse período de pandemia. Porque será que “ficar em casa” é tão difícil para algumas pessoas? Essa é uma questão importante e para elucidá-la poderíamos utilizar vários ângulos. Aqui essa questão será abordada por um olhar sobre a influência da estrutura familiar no “ficar em casa”.
Estruturas diferenciadas de famílias
As famílias têm formatos diversos, estruturas diferenciadas e dinâmicas
muito peculiares. Essas são características nas famílias antes da pandemia, se mostram bem presentes durante a pandemia, e seguirão assim após a pandemia. A forma como cada família vinha estruturada em sua dinâmica relacional antes da pandemia, se apresentará durante a pandemia também. O pesquisador Salvador Minuchin (1), que foi um importante pesquisador sobre a vida familiar, menciona que a dinâmica estrutural familiar, comumente se mostra em três formatos principais: as famílias aglutinadas, as separadas e as com fronteiras relacionais mais adequadas. Trazendo essa perspectiva para a atual pandemia, podemos perceber, a partir da estrutura das famílias, como elas respondem às recomendações das autoridades sanitárias para o distanciamento social.
O “ficar em casa” para famílias aglutinadas
As famílias com tendências a aglutinação ou emaranhamento, são as que têm mais dificuldades em se manter distantes, e tendem a “furar o distanciamento social”. Comumente não o fazem por falta de empatia social, mas o fazem por considerarem que, como grupo familiar, podem e precisam se encontrar. Ficarem afastados pode ser tão angustiante, que correr o risco de contaminação parece ser um mal menor em relação ao mal maior que é ficarem distantes entre si. Famílias assim, se estruturam com pouca diferenciação, sendo a casa de um a casa de todos. Ao ouvirem as recomendações das autoridades sanitárias “fique em casa se puder”, entendem que transitar na casa uns dos outros é o mesmo que “ficar em
casa” e promovem visitações entre si, almoços, jantares, aniversários, churrascos etc. Assim, compreendem que ir à casa dos pais, dos avós e dos filhos casados, significa que estão aderindo ao proposto para o distanciamento social. Infelizmente, muitas famílias com essa estrutura, numa “aparente ingenuidade” e intencionalidade afetiva, acabam contribuindo para a expansão do vírus, carregando-o, às vezes, para dentro do próprio ninho familiar .
O “ficar em casa” para famílias separadas
As famílias desligadas, que têm os membros mais distantes em seu convívio
familiar, ao ouvirem a recomendação “fique em casa se puder”, acolhem a ideia de que agora é “cada um por si e Deus por todos”. Se recolhem cada um em sua bolha individualista, demonstram pouca empatia e cuidado. Aparentemente parece que sofrem menos, por serem mais independentes uns dos outros. Mas isso pode ser um equívoco, pois essa independência pode ser falsa. Especialmente porque em famílias onde não se desenvolve a empatia nas relações, muitas vezes os seus membros não sabem pedir ajuda, mesmo estando em situações ameaçadoras. Por um lado, os membros de famílias separadas, dificilmente se dispõem para atender necessidades e raramente demonstram preocupação em ajudar. Em famílias assim, as necessidades que surgem em meio a pandemia, muitas vezes são atendidas por pessoas externas da família, as vezes por vizinhos ou por grupos que promovem alguma assistência social. Apesar do vírus ter pouca chance de circular em famílias assim, infelizmente a solidariedade pouco as alcança.
O “ficar em casa” para famílias com fronteiras mais adequadas
As famílias com fronteiras mais adequadas, já têm outro padrão relacional.
Elas se distanciam presencialmente, de acordo com o possível, permanecendo apenas quem mora na mesma residência, ou que permanecem no período de distanciamento social na mesma casa, como é o recomendado. O “ficar em casa se puder” é compreendido literalmente como uma recomendação para cada um ficar em sua casa, ou seja, onde cada um reside. Contudo, isso não significa que as pessoas se abandonam. Os membros familiares, apesar de distantes presencialmente, não ficam isolados e interagem com cuidado social. Esse cuidado se mostra especialmente aos membros familiares que estão entre o grupo de risco de
contágio da Covid-19, como os idosos, por exemplo. As famílias com fronteiras relacionais mais adequadas raramente transferem esse cuidado para outros, mas o assumem com empatia e solidariedade. Famílias assim também se organizam melhor em novas rotinas, tão necessárias para essa compulsória hiper convivência dos que moram na mesma residência, que de repente foi imposta por conta da pandemia. Famílias que apresentam fronteiras mais adequadas em sua estrutura, nem se aglutinam e nem se separam. Mas, exercem um cuidado empático e solidário de forma que todos se sintam amparados, mesmo não estando juntos presencialmente. Um cuidado que contribui para conter a circulação do vírus, tanto entre o grupo familiar como socialmente.
(1) MINUCHIN, Salvador. Técnicas de terapia familiar. São Paulo: ARTMED, 2007, p. 11.