Agridoce: o desafio de crescer no ramo de confeitaria durante a pandemia
Foi em 2015 que a trajetória profissional de Janaina Benato Siqueira tomou outro rumo. Após trabalhar no mercado editorial em Curitiba (PR), hoje, ela é empresária. Naquele ano, junto de uma amiga, a designer gráfica decidiu fazer doces durante a madrugada para vender fora do horário comercial – no qual ambas tinham de atuar em seus empregos formais.
A estrutura foi finalizada em 2016, ao custo de R$ 70 mil, na casa onde morava com a família.
Com a intenção de atuar também fora daquele local, elas adquiriram um foodtruck. As vendas baixas em um evento de fim de semana com a estrutura móvel, no entanto, levaram as duas a venderem os bolos em frente da antiga residência. Um post no Facebook foi usado para atrair os clientes. A ideia deu certo e despertou a vontade de investir mais no espaço, instalando mesas e cadeiras, por exemplo.
“Havia a necessidade de expandir. Só que o lugar sempre foi da minha família e, querendo ou não, seria difícil vender esse ponto. A gente acabou desfazendo a sociedade em julho de 2017. Em setembro, eu e meu esposo abrimos a doceria juntos”, conta Janaina.
Aos poucos, a empresa ganhou espaço no mercado e passou a ter três frentes de atuação: food service – que consiste na venda de bolos para outros cafés –, consumo em loja de quinta a domingo e encomendas. Nesse período, também reforçaram a marca nas redes sociais e, recentemente, passaram a comercializar pelo delivery.
“Com a pandemia, a parte de food service foi praticamente de 12 pontos de revenda para zero, porque eles tiveram que fechar as portas. A maioria estava nos shoppings, que fecharam [por causa dos decretos restritivos criados em função da Covid-19]. Muitos de rua foram enxugando e a primeira coisa que tiraram foi o doce. Foi um baque muito grande para nós, porque não é a nossa principal fonte de venda, mas é uma garantia”, explica.
A tecnologia, que sempre foi uma aliada da confeiteira, ganhou um reforço quando seu marido, Everton Trancoso Pereira, que também é responsável pela parte financeira da loja, teve a ideia de criar um aplicativo de entregas próprio. A plataforma, que custou cerca de R$ 4 mil, precisa ser atualizada manualmente pelos colaboradores, mas tem algumas facilidades e atrativos. Um dos diferenciais é o programa de fidelidade.
“Os clientes fazem o cadastro, compram, podem juntar pontos e aí vão ganhando descontos. Se você tem 50 pontos, ganha R$ 3,50 de desconto. Para 100 pontos, ganha R$ 7. E assim por diante. Isso foi legal porque as pessoas começaram a pedir mais e o nosso raio de entrega aumentou”, comemora a empresária.
Cenário atual
Para Patricia Albanez, que é coordenadora estadual de turismo do Sebrae/PR, uma microempresa tem a vantagem de tomar decisões mais rápidas e, como o mundo vive um ambiente de mudanças, é necessário levar novidades aos consumidores.
“O que acontece com o pequeno: ao mesmo tempo em que ele muda com agilidade, ele falha e consegue corrigir, mudar a rota. Então, para um micro e pequeno [empresário] promover mudanças nesse ambiente de incertezas, é relativamente mais fácil do que para uma média ou grande empresa. Nós estamos com um ambiente muito aberto para inovar em modelo de negócio”, analisa.
Segundo dados do Sebrae, o setor de padaria, comércio e doces teve um crescimento de 43% nos últimos 10 anos e, do ano passado para cá, registrou uma alta de 3%. De acordo com Albanez, o número pode ser considerado significativo diante do cenário que a pandemia impôs, no qual houve mudança de comportamento e adaptação por parte de empresários e clientes. “A gente já falava da digitalização dos negócios, da necessidade da presença online do micro e do pequeno e, de repente, não pudemos mais circular, o consumo deixou de ser em loja e passou a ser motivado por necessidade, seja ela fisiológica ou emocional”, completa a especialista.
Expansão
O empresário Bruno Godoy Fagundes concorda que o momento de crise que o mundo enfrenta teve influência no bom desempenho de suas vendas. No começo da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, o gaúcho que começou seu negócio em casa fazendo brigadeiros, notou um salto expressivo nos pedidos. Em maio de 2020, alugou um apartamento ao lado do que mora, em Curitiba, montou um ateliê e contratou um funcionário. Como a demanda não parou de crescer, foi preciso contratar mais duas pessoas. Em outubro, a equipe se mudou para outro endereço, uma loja mais ampla no bairro Jardim Botânico com capacidade de receber os clientes presencialmente.
“Acho que a pandemia ajudou bastante sim. As pessoas ficavam em casa, mais ansiosas, com vontade de comer e isso contribuiu bastante”, reflete o confeiteiro, que acrescenta: “Eu recebi dois apoios de crédito [para fazer a expansão] que, somando, deram R$ 25 mil. Assim, aumentei em 100% o número de vendas.
Luana Marques estava desempregada há um ano e oito meses, foi contratada por Bruno e agora é atendente. Ela celebra: “acabei de ser mãe, tenho um filho de quase dois anos e fiquei essa pandemia inteira em casa com ele. Para mim, está sendo incrível. Eu sempre sonhei em fazer bolos e agora entendo que posso aprender e crescer junto com ele”, diz ela.
Conforme Bruno, para este ano a expectativa é transformar a loja em uma fábrica e abrir um novo ponto no bairro Bigorrilho, com foco em delivery e take away. Para isso, ele deve manter sua atuação no Instagram, rede social na qual acumula mais de 70 mil seguidores e que terá mais vídeos e stories dos produtos.
Em 2022, Janaina também espera ter outra unidade, mas entre os bairros Água Verde e Portão. Agora, a expectativa é finalizar as obras de ampliação da cozinha.
“Não dá para desistir. A gente ama o que faz, mas chega um momento que não dá para fazer só por amor. Alguns me acharam muito louca porque um mês depois de eu pedir demissão meu marido foi demitido, então a renda na nossa casa ficou baixíssima. Foi na dor mas com muito amor”, fala a confeiteira.
Tendências
A coordenadora do Sebrae destaca três pontos de atenção para os próximos meses. O primeiro deles é: gerar experiência, seja por meio dos cinco sentidos e ou do uso do conhecimento e da comunicação.
“Hoje as pessoas vivem olhando para o chão, nos seus próprios celulares, então porque não colocar uma comunicação no piso? Trabalhar com bom humor e com o inusitado também é válido”, recomenda Patricia.
Outro aspecto que deve ser considerado, de acordo com ela, é inovar da porta para dentro para melhorar processos e torná-los mais ágeis. Por fim, a sugestão é trabalhar com ingredientes locais.
“O que eu diria para as panificadoras e para as confeitarias é: continuem com esse olhar para o mercado e para os produtos regionais, porque ele foi redescoberto ou descoberto durante a pandemia. Posicionar produtos de experiência para isso vai ter um grande valor”, enfatiza.